quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A DOAÇÃO

"E há os que muito têm e dão-no inteiramente".
Com o poema abaixo, vai nosso agradecimento à Irmã YOLANDA MARCELA JEREZ CASTILLO, membra ativa da Grande Fraternidade Universal, pela palestra proferida em nossa Loja neste dia 27-11-2013.
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Então um homem opulento disse: "Fala-nos da Dádiva."
E ele respondeu:
"Vós pouco dais quando dais de vossas posses.
É quando derdes de vós próprios, que realmente dais.
Pois, o que são vossas posses, senão coisas que guardais por medo de precisardes delas amanhã?
E amanhã, que trará o amanhã ao cão ultra prudente que enterra ossos nas areias movediças, enquanto segue os peregrinos para a cidade santa?
E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?
Não é vosso medo da sede, quando vosso poço está cheio, a sede insaciável?
Há os que dão pouco do muito que possuem, e fazem-no para serem elogiados, e seu desejo secreto desvaloriza seus presentes.
E há os que pouco têm e dão-no inteiramente.
Esses confiam na vida e na generosidade da vida, e seus cofres nunca se esvaziam.
E há os que dão com alegria, e essa alegria é sua recompensa.
E há os que dão com pena, e essa pena é seu batismo.
E há os que dão sem sentir pena nem buscar alegria e sem pensar na virtude:
Dão como, no vale, o mirto espalha sua fragrância no espaço.
Pelas mãos de tais pessoas. Deus fala, e, através de seus olhos, Ele sorri para o mundo.
É belo dar, quando solicitado; é mais belo, porém, dar sem ser solicitado, por haver apenas compreendido;
E, para os generosos, procurar quem receberá é uma alegria maior ainda que a de dar.
E existe alguma coisa que possais conservar?
Tudo que possuís será um dia dado.
Dai, portanto, agora para que a época da dádiva seja vossa e não de vossos herdeiros.
Dizeis muitas vezes: "Eu daria, mas somente a quem merece."
As árvores de vossos pomares não falam assim, nem os rebanhos de vossos pastos.
Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.
Certamente, quem é digno de receber seus dias e suas noites é digno de receber de vós tudo o mais.
E quem mereceu beber do oceano da vida, merece encher sua taça em vosso pequeno córrego.
E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na confiança, mais ainda, na caridade de receber?
E quem sois vós para que os homens devam expor seu íntimo e desnudar seu orgulho a fim de que possais ver seu mérito despido e seu orgulho rebaixado?
Procurai ver, primeiro, se vós próprios mereceis ser doadores e instrumentos do dom.
Pois, na verdade, é a Vida que dá à Vida — enquanto vós, que vos julgais doadores, sois simples testemunhas.
E vós que recebeis — e vós todos recebeis — não assumais nenhum encargo de gratidão, a fim de não pordes um jugo sobre vós e vossos benfeitores.
Antes, erguei-vos juntos com eles, sobre asas feitas de suas dádivas;
Pois se ficardes demasiadamente preocupados com vossas dívidas, estareis duvidando da generosidade daquele que tem a terra liberal por mãe e Deus por pai."
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GIBRAN KHALIL GIBRAN - O PROFETA
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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

LOJA ABERTA DE ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DO ANO DE 2013


Nesta quarta-feira, dia 27-11-2013, encerraremos nossas atividades do ano de 2013 com uma Loja Aberta. Na oportunidade teremos uma palestra sobre iniciação com YOLANDA MARCELA JEREZ CASTILLO, membra ativa da Grande Fraternidade Universal.
O acesso será franqueado aos visitantes a partir das 20:00 horas, no templo situado à rua Barão de Tramandaí, 23, Passo D'Areia, Porto Alegre, RS.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

OS RITOS DE ABERTURA E FECHAMENTO DOS TRABALHOS

Depois de haver tomado lugar em Loja, o neófito inicia-se no funcionamento da oficina, assim como nas formalidades de fechamento dos trabalhos que o preparam para a compreensão dos ritos de abertura, nos quais ele se instruirá ulteriormente.
Quando a ordem do dia está esgotada, o Venerável Mestre pergunta aos assistentes se eles têm propostas a fazer no interesse da Maçonaria em geral ou da Loja em particular. Se as propostas feitas não comportam discussão, elas são colocadas sob malhete durante a sessão, ou seja, submetidas ao voto da assistência; elas são, ao contrário, enviadas ao estudo de um Irmão competente ou de uma comissão, se seu exame se anuncia laborioso, reservando-se a Loja, então, o direito de decidir com pleno conhecimento de causa.
Quando ninguém mais pede a palavra, diz-se que  as colunas estão mudas. Esse mutismo, — que se relaciona aos Irmãos colocados nas colunas do meio-dia e do setentrião, — determina ao Experto e ao Hospitaleiro o cumprimento de seu ofício. Munidos,  —  um, do saco de propostas e informações, e outro, do tronco de solidariedade, — eles contornam a Loja, para recolher as propostas escritas e as ofertas destinadas aos infortunados.
O Venerável Mestre lê as proposições escritas sob reserva de assinatura, porque a Loja deve poder se pronunciar a seu respeito com toda independência, sem levar em conta o autor.
Depois de decidir sumariamente sobre eventuais propostas, um golpe de malhete anuncia que os trabalhos vão ser fechados. É preciso, para esse efeito, que os obreiros estejam satisfeitos, o que é respondido pelo 1º Vigilante. Este oficial declara, além disso, que os Maçons têm o costume de encerrar seus  trabalhos  à  meia-noite. Seu colega, interrogado, afirma então que é meia-noite. Logo, todos os Irmãos se levantam ao sinal do Venerável Mestre e tomam a atitude ritualística de Aprendiz Maçom. Convidado a fechar os trabalhos, o 1º Vigilante pronuncia a fórmula de fechamento que sancionam três golpes de malhete seguidos da execução, por todos os assistentes, do sinal e da bateria do grau.
O ruído, nada tendo de iniciático, pode-se perguntar se o costume de bater  três  vezes nas mãos não seria de inspiração profana. Quanto à aclamação Liberdade, Igualdade, Fraternidade, nós sabemos que ela data do século XVIII e que caracteriza unicamente a Maçonaria latina. Antes de se separarem, os Maçons anglo-saxões levam três vezes a mão direita ao coração, pronunciando, a cada vez, a palavra fidelity; em seguida, o fechamento da Bíblia sanciona para eles o fechamento da Loja.
A essa extinção simbólica da Grande Luz dos Maçons protestantes corresponde, mais tradicionalmente, a extinção efetiva das três chamas que figuram Sabedoria, Força e Beleza, acompanhada do apagar do quadrilongo. Com o auxílio de uma esponja úmida, o Irmão Experto fazia desaparecer outrora todo traço dessa misteriosa figura, restituindo assim ao local seu caráter profano.
Seria penoso aos Maçons dispersarem-se sem haver simbolizado sua indissolúvel união através da formação de uma cadeia fraternal viva, a cadeia de união. Arrumados em círculo fechado, seguram-se pelas mãos, os braços cruzados, enquanto um deles lembra, com algumas frases, suas aspirações comuns e, sobretudo, seus sentimentos de mútua afeição que se estendem a todos os Maçons e a todos os homens.
Esses ritos dão a refletir ao novo iniciado que deve gradualmente descobrir-lhes o alcance.  Ele ficará surpreso com a importância que os Maçons dão às horas convencionais e, de modo geral, à observância de tradições misteriosas. A abertura dos trabalhos, a propósito, acabará de surpreendê-lo.
Antes da hora indicada pela  prancha de convocação  que recebem, os membros da Loja reúnem-se no local dos trabalhos. Entretêm-se amigavelmente e acolhem com polidez todo recém-chegado. O último iniciado, o Benjamim da  Loja, é imediatamente colocado à vontade; cada um não deseja senão instruí-lo, para guiar seus primeiros passos em Maçonaria.
Quando  chega  a  hora, o Venerável Mestre toma lugar no Oriente, decora-se com o esquadro e segura nas mãos o malhete. Em seguida, os oficiais da Loja ocupam seus postos, e os outros Irmãos colocam-se nas as colunas. Três golpes de malhete batidos sucessivamente pelo Venerável Mestre e pelos dois Vigilantes comandam então um silêncio absoluto, em meio ao qual são colocadas questões que provocam instrutivas respostas.
A primeira pergunta do Venerável Mestre endereça-se ao 1º Vigilante que, por sua resposta, é chamado a fazer-se conhecer como Maçom. Interrogado a seguir sobre seu dever primordial em  Loja, esse oficial  se reconhece como responsável  pela cobertura da oficina e assegura, por intermédio do 2º Vigilante, a vigilância do Irmão Cobridor, postado como guarda à porta da Loja. Desde que tal controle esteja efetuado, o 1º Vigilante dá um golpe de malhete; depois, anuncia que a Loja está coberta.
Os Vigilantes têm por segundo dever o de assegurar-se da qualificação maçônica dos assistentes. Ao sinal do Venerável Mestre, todos tomam a atitude prescrita, e os Vigilantes percorrem logo as colunas, nas quais eles fazem a inspeção. Se surpreenderem quem quer que seja como suspeito, encarregarão  o  Irmão  Experto  de  cumprir  seu  dever;  mas,  —  o  mais freqüentemente, — eles retornam a seus respectivos lugares, para declarar que a assistência não está composta senão que por bons e legítimos Maçons.
Doravante é possível abrir os trabalhos. Mas a que horas devem eles ser abertos? Ao meio-dia, declara o 1º Vigilante; ora, de acordo com o 2º Vigilante, é meio-dia.
Em razão da hora, o Venerável Mestre abre então os trabalhos por três golpes de malhete, aos quais os assistentes respondem, executando o sinal de Aprendiz seguido da bateria do grau e da aclamação. Eles são, a seguir, convidados a tomar lugar para trabalharem com a ajuda e sob a proteção do Grande Arquiteto do Universo.
As  precauções  tomadas  à  vista  da  segurança  não  têm  por  que surpreender o novo Iniciado, que não ficará intrigado senão que com as horas convencionais nas quais se abrem e se fecham os trabalhos maçônicos. Que significa trabalhar do meio-dia à meia-noite? Os construtores ordinários têm o hábito de começar a trabalhar nas horas matinais, repousar ao meio-dia e,depois,  retomar  o  trabalho  até  o  final  da  tarde.  Por que os Maçons especulativos reservam ao trabalho as doze horas durante as quais o Sol declina? Eis  aí  um  dos  numerosos  enigmas  que  a  Maçonaria  propõe  à sagacidade de seus adeptos.
A  procura  da  verdade,  —  que  é  o  objetivo  primordial  do  trabalho iniciático, — não saberia ser inaugurada com fruto desde a manhã de nossa vida intelectual. Nós não discernimos judiciosamente senão que em nosso meio-dia  vital,  quando,  controlando nossas  faculdades,  chegamos  à maturidade viril do pensador. É, pois, atingindo a metade do caminho de nossa  vida  que  abordamos,  com  Dante,  a  obscura  floresta  das provas iniciáticas.  Uma  vez  consagrados  à  Grande  Obra,  não  cessaremos  de trabalhar até nossa meia-noite individual, termo de nosso grande dia terrestre; até nossa última hora, podemos pensar e manter bons sentimentos.
A Loja não se abre efetivamente senão quando é meio-dia no espírito dos obreiros espirituais. Ora, o 2º Vigilante, que deve conhecer a instrução iniciática de cada um, é chamado pelo Ritual a pronunciar-se sobre a hora esperada. Declarando que é meio-dia, ele se torna garante da maturidade mental dos assistentes.
Pode parecer estranho que esta maturidade seja atingida desde a idade de  três anos, que é aquela dos Aprendizes. Esta idade da infância iniciática marca uma fase muito avançada em relação à vida profana; o Iniciado de três anos deve ter penetrado os mistérios do Ternário: ele compreende que tudo é triplo em nossa concepção, mas um em sua essência metafísica.
O Aprendiz afirma-se esclarecido sobre o Ternário iniciático, quando ele participa  da tripla  bateria  que  sanciona  a  abertura  e  o  fechamento  dos trabalhos.
A Loja, sendo proclamada aberta, pertencia outrora ao Irmão Experto santificá-la, traçando o  quadrilongo  que delimita, no centro do Templo, uma espécie de  Santo dos  Santos,  onde  ninguém  deve colocar  o  pé,  salvo  o recipiendário quando, descalço intencionalmente, é admitido a pisar a borda do solo sagrado. Esse rito parece remontar ao culto da Terra-Mãe, iniciadora muda com a qual o homem se comunica pelos pés; mas, — para que, do fundo das coisas, os pensamentos remontem até o cérebro, — o contato deve estabelecer uma corrente. A sensibilização dos pés relaciona-se, pois, a uma percepção misteriosa oposta àquela que toma a via dos sentidos ordinários. Os astrólogos fazem a cabeça corresponder ao  Carneiro, signo do fogo, de iniciativa e discernimento consciente; eles, ao contrário, atribuem os pés a Peixes,  que  nadam  no oceano  de  Água,  dispensadora  da  pré-Sabedoria difusa, anterior à percepção de noções distintas.
Não se deve esquecer jamais que aquilo que é facilmente cognoscível é de ordem profana. A Iniciação relaciona-se ao que é misterioso e demanda ser sentido antes de traduzir-se em noções nitidamente inteligíveis. Para aprender a pensar ativamente, por si mesmo, e não assimilando passivamente o pensamento de outrem, é preciso evocar no silêncio um pensamento que nós atraímos das profundezas da terra, como se ele nos viesse pelos pés.
Os mistérios do quadrilongo, em torno do qual vigiam Sabedoria, Força e Beleza,  não são profanados em Lojas que se limitam ao jogo infantil do ritual. O Irmão Experto está aí isento de seu ofício capital; nada mais se risca com giz sobre o assoalho da oficina, mas o predecessor do Venerável Mestre em exercício abre a Bíblia, que santifica de modo judaico-cristão a Loja.
Que nos seja permitido lembrar com saudade o antigo modo de santificação que, puramente maçônico, conformava-se ao gênio universalista da Iniciação; será preciso que a Maçonaria retorne a si mesma, se quiser cumprir sua missão que é a de ensinar e a de praticar a Arte Real.
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A INICIAÇÃO MAÇÔNICA

A Franco-Maçonaria é uma instituição moderna quanto à sua organização que não vai além de 1717, data da constituição, em Londres, da Grande Loja mãe da qual derivam mais ou menos diretamente todas as federações maçônicas do mundo. 
O que nasceu então foi uma confraternidade que se afirmava como universal e que deveria permanecer aberta a todos os homens de reconhecida moralidade, sem distinção de religião, de opiniões políticas, de nacionalidade, de raça nem de posição social. Essa associação tinha por finalidade conseguir que seus adeptos se unissem, apesar de tudo quanto os poderia separar. Era seu dever a mútua estima e o esforço pela compreensão recíproca, em que pese o distanciamento em sua maneira de pensar ou de expressar-se. 
Alegoricamente, a Franco-Maçonaria aspirava a remediar a confusão das línguas que dispersara os construtores da Torre de Babel. Seu objetivo era formar Maçons capazes de compreenderem-se de um pólo a outro, para juntos edificarem um templo único aonde viriam a se confraternizar os sábios de todas as nações. Este edifício não se inspirava, de modo algum, no capricho humano: não é uma Torre destinada a desafiar o céu com seu orgulho, mas um santuário cujo plano concebeu o Grande Arquiteto do Universo. 
A Franco-Maçonaria tem grande cuidado em não definir o Grande Arquiteto, deixando toda liberdade aos seus adeptos para que façam do mesmo uma idéia de acordo com sua fé ou com sua filosofia. Os Franco-Maçons deixam a teologia aos teólogos, cujos dogmas levantam discussões apaixonadas, quando não conduzem a guerras ou a perseguições iníquas. Ao dogmatismo rígido e intransigente, a tradição maçônica opõe um conjunto de símbolos coordenados logicamente, de maneira a explicarem-se uns aos outros. Os espíritos reflexivos encontram-se, de tal sorte, convidados a descobrir por si mesmos os mistérios aos quais alude o simbolismo. Algumas sumárias indicações marcarão o caminho a percorrer, mas não se comunica ao neófito mais que a primeira letra da palavra sagrada: ele deverá saber por si mesmo adivinhar a segunda. Seu instrutor revela-lhe, a seguir, a terceira, a fim de que possa encontrar a quarta e assim sucessivamente. 
Esse método é muito antigo. Seu propósito é formar pensadores independentes, desejosos de chegar, por seu próprio esforço, a discernir a verdade. Nada se lhes inculca nem se lhes pede algum ato de fé a propósito de qualquer revelação sobrenatural; do longínquo passado, onde tem fixadas as suas raízes espirituais, a Franco-Maçonaria não herdou crenças determinadas nem doutrinas concretas, mas, sim, apenas seus procedimentos de sã e leal investigação da Verdade. 
Portanto, pedir a admissão na Franco-Maçonaria não pode ser questão de esperar a comunicação destes fatos misteriosos que tanto intrigam os aficionados em ciência oculta. Os Franco-Maçons interessam-se individualmente por todos os conhecimentos humanos, e podem ser, se for o caso e segundo lhes apraz, ocultistas, teósofos, metapsiquistas, etc., mas a Franco-Maçonaria abstém-se, em absoluto, de ensinar algo em qualquer ordem de idéias. Não tem por missão resolver os enigmas que se apresentam à mente humana e não se declara a favor de nenhuma das teorias explicativas dos fatos sensoriais. Indiferente a toda suposição arriscada, coloca-se acima dos sistemas cosmogônicos formulados, ora por religiões, ora por escolas de filosofia. 
O que preconiza é este prudente positivismo que toma por ponto de partida em todas as coisas o comprovável. No decorrer de suas viagens simbólicas, o neófito parte sempre do Ocidente, onde se ergue a fachada da objetividade, ou seja, a fantasmagoria das aparências que perturbam nossos órgãos. Tudo termina aí para o materialista que acredita inútil buscar algo mais. Todavia, muito distinta é a convicção dos espíritos propensos à meditação. Estes últimos se recusam a ficar no aspecto superficial das coisas, e sua ambição é aprofundar tudo. Para esses aspirantes à iniciação, tudo quanto afeta nossos sentidos constitui um enigma que podemos decifrar. Buscam o significado do espetáculo que lhes oferece o mundo e lançam-se a suposições por demais arriscadas. Ao penetrarem desse modo na tenebrosa selva das quimeras, com tanta complacência quanto a descrita nas novelas cavalheirescas, o pensador vê-se obrigado a combater todos os monstros de sua própria imaginação. Deve abrir passo através do inextrincável emaranhado das concepções mal vindas, para alcançar penosamente o Oriente, de onde brota a luz. De outra parte, ao sair das trevas da noite, a luz da manhã deixa-o discernir somente o absurdo das teorias preconizadas para explicar o inexplicável; convencido de sua impotência para penetrar o mistério das coisas, empreende o regresso ao Ocidente, seguindo agora a rota do Meio-Dia. 
Já não é mais um caminho semeado de obstáculos, marcado apenas pela densidade da obscura selva do Norte: cheia de rochas e na absoluta falta de vegetação, a região sul não oferece o menor abrigo ao peregrino que avança sob os ardentes raio de um sol implacável. Uma luz cruel ilumina os objetos que encontra a sua passagem e aos quais enxerga tais como são, sem que possa formar qualquer ilusão a respeito dos mesmos. 
Chegado outra vez ao Ocidente, julga então de diferente maneira o que afeta os seus sentidos. O eterno enigma parece-lhe menos indecifrável, porém mais penetrante ainda. Irritado, não pode permanecer por muito tempo em estado contemplativo; seu espírito trabalha outra vez, e temo-lo entregue a conjecturas, porém já em meio a uma prudente desconfiança, e as extravagâncias do início transformaram-se em hipóteses mais sólidas. 
Recomeça a viagem que prossegue indefinidamente sempre no mesmo sentido, partindo do Ocidente em direção ao Norte, para regressar a seguir do Oriente pela rota do Meio-Dia. Cada vez resulta menos áspero o caminho, por mais que abundem os obstáculos: deve escalar montanhas, transitar por planícies repletas de perigos, atravessar rios de impetuosa corrente, explorar desertos abrasadores e sondar abismos vulcânicos. Tais são as provas que deve suportar, — não simbolicamente nem na imaginação, — mas em seu verdadeiro significado, ou seja, em espírito e verdade, para que a venda de nossa ignorância se vá atenuando até cair, por fim, de nossos olhos, ao cabo de nossa purificação mental. 
Logo, tratar-se-á de encontrar a luz entrevista, e viajar com tal propósito, imitando o sol em sua aparente revolução diária. 
Eis o processo tradicional da iniciação maçônica. É o ensinamento através do silêncio. Nada de palavras que possam faltar à verdade, mas apenas ações, cuja finalidade é nos convidar à investigação. Aqui, não encontramos uma doutrina explícita, mas unicamente um ritual por meio do qual vivenciamos aquilo que devemos aprender. Nenhum dogma. Apenas alguns símbolos. 
Não é um método ao alcance das multidões que pedem soluções prontas e seguem felizes àqueles que as enganam, por certo, de boa-fé na maioria dos casos. 
A característica da iniciação, — da verdadeira, — é sua absoluta sinceridade: não enganar ninguém, eis aí sua constante e principal preocupação. Por isso mesmo, resulta amarga e decepcionante. Quem a possui, compreende que não sabe nada; o sábio observa um modesto silêncio e guarda-se de erigir-se em pontífice. Se o iniciado pede a luz, é apenas para poder melhor cumprir a tarefa que lhe incumbe e, rechaçando toda curiosidade indiscreta, não perde tempo em querer aprofundar mistérios insondáveis por sua própria natureza. Começando sempre pelo que é conhecido (Ocidente), vai se instruindo sem precipitação e não teme examinar de novo o que lhe parecia certo. Resiste a perder-se em estéreis especulações e aceita apenas aquelas que têm como finalidade a ação. O trabalho é, em sua maneira de ver, a justificativa de sua própria existência. A função cria o órgão, e não somos mais que instrumentos constituídos à vista de uma tarefa que devemos cumprir. 
Apliquemos, pois, toda nossa inteligência em discernir o que de nós se espera e esforcemo-nos por trabalhar bem. Trabalhar bem é viver bem, e viver bem é, sem dúvida alguma, o ideal que nos propõe a vida. Trata-se de aprender a teoria para logo exercitar a prática da Arte de Viver. Eis aí o objetivo essencial da iniciação maçônica.
Ideal Iniciático tal como se Depreende dos Ritos e Símbolos - Oswald Wirth

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SOLIDARIEDADE MAÇÔNICA

Ven - Por que a Maçonaria combate a ignorância, em todas as suas formas?
1º Vig - Porque a ignorância é a mãe de todos os vícios e seu princípio é nada saber; saber mal o que sabe e saber coisas outras além do que deve saber. Assim, o ignorante não pode se medir como o sábio, cujos princípios são a Tolerância, o Amor Fraternal e o Respeito a si mesmo. Eis porque os ignorantes são grosseiros, irascíveis e perigosos; perturbam e desmoralizam a sociedade, evitando que os homens conheçam seus direitos e saibam, no cumprimento de seus deveres, que, mesmo com constituições liberais, um povo ignorante é escravo. São os inimigos do progresso, que para dominar, afugentam as luzes, intensificam as trevas e permanecem em constante combate contra a Verdade, contra o Bem e contra a Perfeição.
Ven - E por que combatemos o fanatismo, Ir 2º Vig?
2º Vig - Porque a exaltação pseudo-religiosa perverte a razão e conduz os insensatos a, em nome de Deus e para honrá-lo, praticarem ações condenáveis. É uma moléstia mental, desgraçadamente contagiosa, que se implanta em um País, toma foros de princípio, em cujo nome, nos execráveis postulados, fizeram perecer milhares de indivíduos úteis à sociedade. A superstição é um falso culto mal compreendido, repleto de mentiras, contrário à razão e às idéias que se deve fazer de Deus; é a religião dos ignorantes, das almas tomoratas. Fanatismo e superstição são os maiores inimigos da religião e da felicidade dos povos.
Ven - Para fortalecermo-nos nos combates, que devemos manter contra esses inimigos, qual o laço sagrado que nos une?
2º Vig - Solidariedade, Ven Mest.
Ven - Será, por isso, que comumente, se diz que a Maçonaria proporciona a seus adeptos vantagens morais e materiais?
2º Vig - Essa afirmação não corresponde à verdade. O proveito material, com interesse unicamente individual, não entra nas cogitações dos verdadeiros Maçons e as vantagens morais resumem-se no adquirir a firmeza de caráter, como conseqüência natural da nítida compreensão dos deveres sociais e dos altos ideais da Ordem.
Ven - Como podeis fazer tal afirmação, se todos dizem que a solidariedade maçônica consiste no amparo incondicional de uns aos outros Maçons, quaisquer que sejam as circunstâncias?
2º Vig - É a mais funesta interpretação que se tem dado a esse sentimento nobre, que fortalece os laços da fraternidade maçônica. O amparo moral e material que, individual e coletivamente, devemos aos nossos Irmãos, não vai até o dever de proteger aos que, fugindo de suas responsabilidades sociais, se desviam do caminho da moral e da honra.
Ven - Que solidariedade, então, é a que deve existir entre nós, Ir 1º Vig?
1º Vig - É a solidariedade mais pura e fraternal, mas somente, para com os que praticam o bem e sofrem os espinhos da vida; para os que nos trabalhos lícitos e honrados, são infelizes; para os que, embora rodeados de fortuna, sentem na alma os amargores da desgraça, enfim, a solidariedade maçônica está onde estiver uma causa justa.
Ven - Não jurastes, então, defender e socorrer vossos Irmãos?
1º Vig - Jurei, sim, Ven Mest, e, sempre que posso, correspondo a esse juramento. Quando porém, um Irmão esquecido dos princípios e dos ensinamentos maçônicos, se desvia da moral que nos fortifica para se tornar um mau cidadão, mau cônjuge, mau pai ou mãe, mau filho, mau irmão, mau amigo; quando cego pela ambição ou pelo ódio, pratica atos que consideramos indignos de um Maçom, ele, e não nós, rompeu a solidariedade que nos unia e que não mais poderá existir; porque, se assim a praticássemos, seria pactuarmos com ações de que a simples convivência moral nos degradaria. Por isso que o Maçom, que assim procede, deixou de ser Irmão, perdeu todos os direitos ao nosso auxílio material e principalmente, ao nosso amparo moral. 
Ven - Não deveis porém, dar preferência, na vida pública, a um Irmão da  Ordem, sobre um profano?
1º Vig - Em igualdade de circunstâncias, é meu dever preferir um Irmão, sempre que, para fazê-lo, não cometa uma injustiça, que fira a minha consciência. Os ensinamentos de nossa Ordem nos obrigam a proteger um Irmão em tudo que for justo e honesto. Não será justo nem honesto proteger o menos digno, mesmo que seja Irmão, preterindo os mais sagrados direitos do mérito e do valor moral e intelectual.
Ven - Então, sistematicamente, não favoreceis a um Irmão?
1º Vig - Sem boas e justas razões, não. Nossa Ordem nos ensina a amar a Pátria e, portanto, a sermos bons cidadãos. Não o seríamos, nem nos poderíamos julgar merecedores desse nobre título e da confiança de nossos Irmãos, se, ao bem público, antepuséssemos os interesses de uma pessoa menos apta ou menos digna de trabalhar pelos interesses da sociedade e da Pátria.
Ven - Como, então, a voz pública acusa os Maçons de progredirem no mundo profano, graças ao nosso sistema de recíproca proteção?
1º Vig - São afirmações dos que, não conhecendo as razões das coisas, julgam incondicional nossa solidariedade. Se há Maçons que galgam posições elevadas e de grandes responsabilidades sociais, a razão se oculta, evidentemente no seguinte: nossa Ordem não acolhe o profano, sem antes examinar-lhe a inteligência, o caráter e a probidade. Daí, é natural que de nossa Ordem, cuidadosamente selecionados, surjam cidadãos que se destaquem por suas qualidades pessoais, tornando-se assim, dignos de serem aproveitados na conquista do progresso e da felicidade do povo.
Ven - Concluís, então, que em nossa Ordem, não surjam, às vezes, desonestos?
1º Vig - Nada é perfeito. Não deixo de reconhecer que, nos temos enganado na escolha de alguns elementos, apesar do rigor de nossas sindicâncias. Assim, infelizmente, profanos, com o fito de tirar proveito pessoal de nossa associação, têm-se infiltrado em seu seio. Alguns, pela natural influência da vida e das práticas maçônicas, regeneram-se e  transformam-se em bons e proveitosos Obreiros. Para os que são insensíveis à ação de nossa Moral e de nossos Princípios, nossa Lei nos fornece meios seguros e prontos de separarmos o joio do trigo, o que devemos fazer sem temor nem vacilação  É, portanto, pela exclusão dos elementos refratários aos ensinamentos austeros e elevados dos Princípios maçônicos, que poderemos fortificar nossas Colunas.
Ven - Em que consiste, então, nossa fraternidade?
1º Vig - Em educarmo-nos, corrigindo nossos defeitos e sermos tolerantes para com as crenças  religiosas e políticas de cada um. Nossa Fraternidade nos ensina a dar e não pedir, sem justa necessidade.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A SERPENTE DO GÊNESE

Quando crianças recitam fábulas, não são mais ingênuas frente à linguagem que o fabulista emprestou aos animais; da ficção, elas não retêm como verdadeiro senão a moral que daí se destaca. Por que seríamos nós mais ingênuos que elas em presença do mito da queda de nossos primeiros pais? 
Essa narrativa é fundamental para a doutrina cristã, pois a catástrofe provocada pela serpente bíblica torna necessária a intervenção do Salvador. Não há nada aí senão que de muito verídico, para que se compreendam as alusões às quais se relacionam as imagens sagradas. 
Interpretemos primeiramente os símbolos, inspirando-nos naquilo que eles sugerem mais espontaneamente. Considerado desse ponto de vista, o casal adâmico personifica a humanidade primitiva, ainda animal, no sentido de que ignora o uso do fogo e não sonha nem com vestir-se nem com construir abrigos para si. Nossos primeiros pais nutriam-se de frutos que não se davam ao trabalho de cultivar e, ainda que não fossem macacos, viviam, ao menos, à maneira destes. Sua inteligência não estava ainda desenvolvida; eram impulsivos e obedeciam ao instinto que os guiava infalivelmente em tudo aquilo que tocasse à realização de suas funções fisiológicas. Sem noção do que lhes faltava, eles viviam satisfeitos com sua sorte, felizes e relativamente oniscientes, pois que um infalível instinto os tornava lúcidos quanto à satisfação de suas necessidades.
Tal é o estado paradisíaco que beneficia a animalidade dócil conforme à lei de sua espécie. Uma providência a protege, mas interdita-lhe aspirar o discernimento, porque o discernir é praticar ato de autodomínio intelectual, é querer fiar-se de outra luz que não a do instinto. Renunciar a deixar-se guiar passivamente por este último equivale a uma insubordinação culpável aos olhos do gênio protetor da espécie animal, logo, a um pecado contra as divindades agrestes, tais como o Pan helênico o Enkitou babilônico. 
É importante insistir sobre esse ponto, porque, se a Bíblia monoteísta está, às vezes, em contradição com ela mesma, é porque as tradições que ela recolheu remontam freqüentemente  a  muito  antigas  mitologias.  O deus antropológico do paraíso que deita vistas à brisa da noite é um antigo gênio tutelar confundido com o Ser Supremo. Não é senão a esse título primitivo que sua atitude se explica, porque um criador infinitamente sábio nos desconcertaria, se aquilo que se realizasse não estivesse dentro de seus planos. Como conceber que plantasse uma árvore fatídica e se desse ao trabalho de dotar a serpente de sua sutil sedução, sem contar com a queda? Apenas a mitologia comparada esclarece o significado de certos textos que emolduram mal a teologia judaica.
Que um deus pagão preposto ao governo da animalidade se ofenda com a emancipação humana, nada de mais escusável; mas respeitemos suficientemente a inteligência suprema, para não lhe atribuir sentimentos mesquinhos. Não é ela que forma os atores do drama da eterna evolução cujo espetáculo ela dirige? 
Entre esses atores figura a serpente que, longe de ser maldita por nossos longínquos ancestrais, aparece-lhes, ao contrário, como digna de veneração. Adornando as fontes que fazem jorrar a água vivificante do seio da terra divinizada, os lígures  estabeleceram uma analogia entre o riacho serpeante através da pradaria e a serpente deslizando entre as ervas, tanto que fizeram do réptil um animal sagrado diretamente relacionado com a vida. Partindo de uma concepção idêntica, os gregos atribuíram mais tarde à serpente um poder curativo.  Eles mantinham, nos templos de Esculápio, ofídios cujo contado deveria curar os doentes. O Ouroboros, — a imensa serpente que morde a própria cauda, — simbolizava, de outra parte, a vida geral, indestrutível, em seu eterno recomeço.
Mas a serpente bíblica faz alusão ainda a outro aspecto do símbolo. Se ela persuadiu Eva a provar do fruto proibido, é porque era da família da serpente python, inspiradora das pitonisas. Essas adivinhadoras liam naquilo que os ocultistas, a exemplo de Paracelso, chamavam de a luz astral. É permitido comparar  esse  agente  da  iluminação  imaginativa à obscura claridade que emana das estrelas, mas mais vale figurá-la como um brilho fosforescente envolvendo o globo terrestre. Essa atmosfera de difusa luminosidade influencia as imaginações receptivas que se comportam, em relação a ela, como um meio refringente condensador. Assim se explica a iluminação dos videntes que favorece a impressionabilidade  passiva  dos contemplativos abandonados ao sonho desperto.
É certo que, antes de pensar de uma maneira consciente, a humanidade longamente sonhou, a imaginação entrando em atividade antes da razão que não despertou senão tardiamente. Tal fato justifica a lenda, quando ela nos mostra a serpente se dirigindo  a Eva, personificando as faculdades imaginativas, de preferência a Adão, o futuro racional, nascido pesado de espírito e espontaneamente pouco compreensivo.
Eva adivinha, ela concebe femininamente aquilo que lhe sugere uma influência misteriosa, porque se desenvolve nela um dom de  vidência que se relaciona diretamente ao instinto. Deste último até a inteligência controlada, há uma etapa que consiste na adivinhação. Eva aí é elevada; depois faz subir Adão, porque a intelectualidade feminina não pode realizar um progresso sem que a mentalidade masculina disso se beneficie em contrapartida.  Eva não pode provar o fruto da árvore do discernimento sem partilhar com Adão o novo alimento que ela considera excelente.
Tomando ao pé da letra a narrativa Bíblia, a desobediência de nossos primeiros pais teria instantaneamente produzido seu efeito: de instintivos, eles ter-se-iam tornado inteligentes por milagre.  Dando-se conta de sua nudez, teriam inventado as vestes, sob a influência de um sentimento de pudor que lhes surgira subitamente. É crível que a evolução fosse lenta. Eva pôde escutar a serpente durante séculos antes de tocar o fruto proibido: os mitos se esquematizam com a supressão do tempo.
Na realidade o que corresponde no ser humano à inteligência feminina, logo, às faculdades sensitivas e divinatórias, desenvolveu-se anteriormente ao poder de raciocinar, concebendo  idéias  nítidas, susceptíveis de encadeamento lógico. A Eva simbólica foi, pois, a primeira a resgatar-se da animalidade pura e simples. Ela teve o pressentimento do amanhã intelectual humano e, inspirada pela serpente, concebeu a ambição de tornar-se semelhante aos deuses, conhecendo o bem e o mal.
Culpada de orgulho aos olhos do gênio tutelar da instintividade que pôde maldizer a serpente, ela não foi certamente culpada de um ponto de vista superior, porque a emancipação humana não poderia faltar em entrar no plano da Suprema Sabedoria.
Que enfoque reclama a teoria da queda? Se existiu aí degradação para a humanidade que se distancia do estado instintivo original, foi em relação à perda da felicidade inconsciente. Nós estimamos feliz a criança que brinca com inocência, preservada das preocupações da vida, mas lamentamos o inocente no qual a fase da infância se prolonga indevidamente, ou o velho tornado inconsciente pelo enfraquecimento de suas faculdades. Cada coisa tem seu tempo, tudo como cada estado comporta suas vantagens e seus inconvenientes. O macaco é mais ágil que o homem, sobre o qual suas quatro patas lhe conferem uma esmagadora superioridade, quando se pendura nas árvores, apoderando-se de seus frutos. O homem sentiu-se, primitivamente, inferior aos animais e teve por eles uma admiração que se traduziu em culto. Mas a espécie deserdada fisicamente desenvolve-se cerebralmente, na razão mesma da inferioridade de sua organização natural. Foi necessário passar por uma longa escola de privações e de sofrimentos, para adquirir artificialmente aquilo que uma sorte cruel parecia lhe recusar. O paraíso perdido corresponde a uma realidade, não menos que a condenação ao labor ingrato; mas é falso erigir em ideal humano a preguiça e a indolente inatividade.
Onde está nossa  nobreza? Nós que, orgulhosamente vestidos, não somos mais chamados a curvar a cabeça à maneira dos quadrúpedes? Criaturas cujo orgulho nada tem de ímpio, nós somos da raça dos Titãs, nascidos para conquistar o céu.  Mas, desejando o fim, é preciso que aceitemos os meios. O trabalho se impõe a nós: é inelutável, porque apenas ele conduz ao objetivo. 
Então, terminemos por compreender e mostremo-nos inteligentes até a penetração do sentido profundo da vida. Constataremos que viver e trabalhar são sinônimos. Os seres não existem senão em vista da tarefa que lhes incumbe. Emancipados da tutela indispensável da infância, não nos revoltemos contra a necessidade de ganhar penosamente nossa vida. Não será gemendo contra o pretenso pecado cometido aos olhos da providência animal, que nos mostraremos  homens, dignos filhos daquela Eva que teve o mérito de desejar a inteligência. Bendigamo-la, sem esquecer a serpente, besta feita maldita pela incompreensão.
Observemos. Antes de ser condenada a rastejar na lama, ela não teria sido um desses lagartos tidos por amigos do homem? Símbolo da luz astral, corresponde à divindade caldéia que se eleva até Samas, o deus solar, para chorar diante dele as infelicidades dos vivos, subtraídos à influência de Isthar depois que a deusa foi detida nos Infernos. Essa claridade difusa que ajuda a adivinhar instintivamente traz consigo o risco de errar facilmente, e está longe de oferecer as garantias da razão consciente; também Python sucumbiu traspassada por Apolo. A adivinhação incerta é suplantada por métodos de informação menos equívocos: um saber positivo substitui, pouco a pouco, as quimeras de uma visionariedade primitiva. 
Goethe rende-lhe homenagem no conto dito da Serpente Verde. Ele mostra a grande cobra  luminosa que se sacrifica para salvar o mundo, transformando-se em ponto de ligação entre as duas margens do rio da vida.
E a serpente de bronze não foi uma imagem antecipada do Salvador?
Oswald Wirth — Os Mistérios da Arte Real — Ritual do Adepto.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O TRABALHO

Então, um lavrador disse: “Fala-nos do trabalho.”
E ele respondeu, dizendo:
“Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra, e da alma da terra.
Pois ser indolente é tornar-se estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.
Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.
Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?
Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição, e o labor, uma desgraça.
Mas eu vos digo que, quando trabalhais, realizais parte do sonho mais longínquo da terra, desempenhando assim uma missão que vos foi designada quando esse sonho nasceu.
E, apegando-vos ao trabalho, estareis na verdade amando a vida. E quem ama a vida através do trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.
Mas se, em vossas dores, chamardes o nascimento uma aflição  e a necessidade de suportar a carne, uma maldição inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor de vossa fronte lavará esse estigma.
Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.
E eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.
E todo impulso é cego, exceto quando há saber.
E todo saber é vão, exceto quando há trabalho.
E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.
E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios, e uns aos outros, e a Deus.
E que é trabalhar com amor?
É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado fosse usar esse tecido.
É construir uma casa com afeição, como se vosso bem-amado fosse habitar essa casa.
É semear as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem amado fosse comer-lhe os frutos.
É pôr em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma, e saber que todos os abençoados mortos vos rodeiam e vos observam.
Muitas  vezes  ouvi-vos  dizer como se estivésseis falando no sono: ‘Aquele que trabalha no mármore e encontra na pedra a forma de sua alma é mais nobre do que aquele que lavra a terra.
E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela sob formas humanas é superior àquele que confecciona sandálias para nossos pés.’
Porém, eu vos digo, não no sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com mais doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das hastes da relva; e  grande é somente aquele que transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pela sua própria ternura.
O trabalho é o amor feito visível.
E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.
Pois se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente a metade da fome do homem.
E se espremerdes a uva de má vontade, vossa má vontade destilará no vinho seu veneno.
E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia e às vozes da noite.”
O Profeta - GIBRAN KHALILGIBRAN