segunda-feira, 31 de outubro de 2016

CONHECIMENTO E SABEDORIA


Dois discípulos procuraram um mestre para saber a diferença entre Conhecimento e Sabedoria.
O mestre disse-lhes:
Amanhã, bem cedo, coloquem dentro dos sapatos vinte grãos de feijão, dez em cada pé.
Subam, em seguida, a montanha que se encontra junto a esta aldeia, até o ponto mais elevado, com os grãos dentro dos sapatos.
No dia seguinte os jovens discípulos começaram a subir o monte.
Lá pela metade um deles estava padecendo de grande sofrimento: seus pés estavam doloridos e ele reclamava muito.
O outro subia naturalmente a montanha.
Quando chegaram ao topo, um estava com o semblante marcado pela dor; o outro, sorridente.
Então, o que mais sofreu durante a subida perguntou ao colega:
- Como você conseguiu realizar a tarefa do mestre com alegria, enquanto para mim foi uma verdadeira tortura?
O companheiro respondeu:
- Meu caro colega: ontem à noite cozinhei os vinte grãos de feijão.
É comum que se confunda Conhecimento com Sabedoria, mas essas são coisas bem diferentes.
Se prestarmos atenção, podemos verificar que a diferença é clara e visível.
O Conhecimento é o somatório das informações que adquirimos, é a base daquilo que chamamos de Cultura.
Podemos adquirir Conhecimento sem sequer vivermos uma experiência fora dos livros e das aulas teóricas.
Podemos nos tornar Cultos sem sairmos da reclusão de uma biblioteca.
Já a Sabedoria, por outro lado, é o reflexo da vivência, na prática, quer pela experimentação, quer pela observação, da utilização dos conhecimentos previamente adquiridos.
Para ser Sábio é preciso viver, experimentar, ousar, ponderar, amar, respeitar, ver e ouvir a própria vida.
É preciso buscar, sim, o conhecimento, a informação.
Deve-se atentar para não se tornar alguém fechado em si mesmo e no próprio processo de aprendizado.
Fazer isso é o mesmo que iniciar uma viagem e se encantar tanto com a estrada a ponto de se esquecer para onde se está indo.
E isso não parece ser uma atitude muito sábia.
Então, sejamos Sábios: vivamos, amemos e compartilhemos o que há em nossos corações!
E que saibamos cozinhar nossos feijões!...
Tenha um bom dia!!!

Autoria e fonte desconhecidas.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A DOUTRINA SECRETA DA MORTE


Ao abordarmos o tema a que nos propomos pode-se argumentar; o que pode falar alguém acerca da morte? Acaso alguém já retornou do que chamamos morte ? 
A essa pergunta responderemos com as palavras do Lama (Sacerdote Tibetano) Anagarika Govinda, que quando inquirido a esse respeito explicou:
Não há uma pessoa, na verdade, nenhum ser vivo, que não tenha retornado da morte. De fato, todos nós morremos várias mortes antes de virmos para esta encarnação. E aquilo a que chamamos nascimento é apenas o lado inverso da morte, como um dos dois lados de uma moeda, ou ainda como uma porta, que chamamos de “entrada” a partir do lado de fora, e de “saída”, a partir do lado de dentro de um quarto. É ainda mais surpreendente que nem todos se lembrem de sua morte anterior. E, devido a esse lapso de memória, a maioria das pessoas não acredita que tenha havido uma morte anterior. Mas também não se lembram de seu mais recente nascimento, embora não duvidem de terem nascido recentemente. Tais pessoas esquecem que a memória ativa é uma pequena parte de nossa consciência normal, e que nossa memória inconsciente registra e preserva cada impressão e experiência passadas de que nossas mentes despertas não conseguem se lembrar.” (Livro Tibetano dos Mortos, pág. XLIX – Edit. Pensamento)
Além do que foi dito acima, podemos acumular conhecimento a respeito da morte analogamente à forma como aprendemos a respeito da existência de um país distante. Poderíamos resumir esse aprendizado como se dando de três modos; primeiro podemos ter o relato da existência desse país, feito pelos seus próprios habitantes, o segundo modo seria ouvir falar a respeito dele por pessoas que viajaram até ele e ao voltarem nos descrevem os seus hábitos e costumes, o terceiro e último modo seria, ler livros, ver fotos, ou assistir a filmes, que podem ser documentários ou reportagens, sobre os acontecimentos nesse longínquo país.
No primeiro caso, poderíamos tomar conhecimento da existência após a morte, pelo contato com os habitantes dos diversos “mundos post-mortem”, que mais adequadamente poderíamos chamar de dimensões ou planos da existência. Aos contatos feitos com os habitantes dessas outras dimensões, costuma-se chamar de aparições, não que eles verdadeiramente apareçam do nada, a realidade é que já estavam ali, só não podíamos percebê-los, pois só somos capazes de perceber determinadas frequências vibratórias, e os habitantes de outras dimensões vibram em frequências que normalmente não podemos captar. O fenômeno da aparição se dá quando o chamado morto consegue alterar sua própria vibração a ponto de se tornar perceptível por nós, ou quando temos, mesmo que momentaneamente, a capacidade de captarmos vibrações acima do nível considerado normal. Durante o período que dura a aparição, ocorrem os relatos da “vida post-mortem”, feitos pelos próprios habitantes dos mundos, normalmente, além de nossas percepções.
No segundo caso de nosso exemplo, poderíamos citar os habitantes de nosso mundo, ou plano de existência, que desenvolveram a capacidade de “viajar”, com sua consciência até outros planos, além desse que habitamos. Nesse segundo caso se encontram a maioria dos médiuns e projeciologistas, que realizam a viagem ou projeção intencionalmente, estando também incluídos nessa categoria, a maioria das pessoas que ao se deitarem para dormir, todas as noites, viajam inconscientemente, pelos vários planos que explicaremos mais adiante. Nesse estado de sonho, é que se dá o contato com os seres do “outro mundo”. Quando essas pessoas retornam do seu sono ou de seu transe, conforme for o caso nos falam do que viram e ouviram.
Vale ressaltar que não ocorre nenhuma viagem, ninguém vai a lugar algum, o que ocorre é um fenômeno de consciência, muito semelhante ao processo de sintonizarmos um rádio numa determinada estação, as ondas que passamos a captar sempre estiveram ali, naquela frequência, apenas ajustamos o nosso aparelho e passamos a captá-las. Alguns médiuns ou parapsicólogos que desconhecem esse mecanismo, poderão afirmar que realmente realizam “viagens astrais”, ou coisas similares, sem levarem em conta que o tempo e o espaço, tal qual conhecemos, são atributos da consciência neste plano em que vivemos. Um exemplo será melhor para esclarecermos o que queremos dizer, quem já não sonhou que passou muito tempo, dias, ou até mesmo anos, no qual ocorreram várias acontecimentos e quando acordou percebeu que apenas algumas horas haviam transcorridos? Outras vezes se dá o contrário, nos deitamos e após o que nos pareceu alguns segundos, despertamos e vemos espantados, que dormimos toda uma noite. O tempo e o espaço são relativos, cada mundo ou dimensão tem suas próprias referências.
No Terceiro e último caso do nosso exemplo de como acumular conhecimento acerca da morte, que é o de uma pessoa que assiste a um filme a respeito de um país longínquo, poderíamos enquadrar as pessoas que são capazes de ver com certa continuidade, fatos e habitantes de outro plano da existência, sem perderem a consciência no plano físico, podendo em alguns casos “ligar” ou “desligar”, esse processo ao seu bel-prazer. Essa capacidade possibilita a essas pessoas por assim dizer “viverem em dois mundos”, nesse último grupo é onde encontram-se os chamados Mestres e Adeptos, que muitas revelações trouxeram a humanidade encarnada. Nesse grupo também existem pessoas que por “acidente”, destrancaram as portas do subconsciente, e passaram a perceber o oculto. Sem a compreensão necessária para isso, muitos desses infelizes enlouquecem, quando não conseguem fechar novamente os portões que a natureza mantinha selados, para serem abertos em uma época em que esses seres, já amadurecidos teriam uma melhor compreensão do oculto. Enfim é das pessoas desse último grupo, que são capazes de perceber múltiplos planos simultaneamente, é que se pode colher alguns relatos mais precisos e esclarecedores, pois eles podem descrever o que percebem, como alguém que tece comentários a respeito de uma peça de teatro, muitas pessoas com essa características escrevem ou falam a seus discípulos sobre a realidade que contemplam. Para a consciência destes seres, a morte simplesmente não existe, enquanto estão conosco, vivenciam a realidade póstuma e quando chega o seu momento, despem-se dos seus corpos como quem troca de roupa.
Baseado no relato desses três grupos, em algumas poucas experiências pessoais e nos ensinamentos da Sabedoria Iniciática das Idades é que nos baseamos para elaborar o presente estudo.
As crenças da humanidade e os mundos post-mortem
Para compreendermos melhor os mistérios dos mundos post-mortem, é imprescindível, entendermos que aquilo em que acreditamos influencia nas camadas do que chamamos inconsciente coletivo e quanto maior o número de pessoas que acreditam em determinada coisa, mais ela tende a ser plasmada, nos planos mentais e astrais, a ponto de em alguns casos objetivar-se no plano físico. Partindo desse conhecimento, poderíamos, dizer que as crenças humanas modificam de certa forma as “paisagens” dos planos mentais e astrais, gerando nestas dimensões sons, cores e formas em harmonia com os nossos sentimentos e pensamentos.
Além disso, as crenças inculcadas em nossa mente desde criança, acabam por dominar por completo nossa consciência, entrando na composição de nossos corpos sutis. Se, por exemplo, acreditamos em deleites e sofrimentos a serem experimentados na existência post-mortem, em céu, inferno, anjos, demônios, etc…, essas crenças provocarão deliciosas fantasias e sofrimentos infernais a serem experimentados por aqueles que verão suas expectativas mais íntimas tornarem-se realidade ao desencarnarem.
De acordo com o exposto, podemos concluir que as experiências póstumas nos mundos interiores de um kardecista, diferem do que será vivenciado por um católico, cada uma sendo composta do conteúdo psíquico com que foi alimentada a consciência do morto.
Devemos levar também em consideração, os ensinamentos milenares quando nos falam que o homem não deixa de ser aquilo que é imediatamente após a morte, ou seja a pessoa não perde imediatamente suas características psicológicas imediatamente, assim, sendo um protestante não deixará de ser protestante, imediatamente após sua morte. O processo de “desidentificação”, dependerá muito do nível de compreensão de cada um a respeito do que está realmente lhe acontecendo.
Cada religião alimenta em seus seguidores determinadas expectativas em relação ao mundo dos mortos, e devido ao fato dos desencarnados continuarem na vida psíquica, a possuir tais crenças e necessidades, é compreensível o caso de uma alma católica que necessita que se reze uma missa em sua memória, para que possa descansar no “purgatório”, como lhe foi ensinada em vida. Sua crença de que só assim poderá ter paz, poderá levá-la. a desencadear fenômenos de aparição, solicitando a realização da missa. Já no caso de uma alma seguidora do hinduísmo, esta exigirá um rito hindu, para que, como lhe foi ensinado em vida, possa ser criado seu novo corpo em substituição ao que foi destruído na pira funerária.
Além de nos depararmos com nossas próprias criações, ao desencarnarmos somos defrontados, de acordo com nossa afinidade, com as criações psíquicas que dominam as mentes da massa da humanidade. Portanto devemos nos esclarecer, acerca das características da existência nos mundos interiores, pois neles conforme forem os nossos pensamentos, temores e expectativas, assim serão os nossos primeiros contatos com os mundos invisíveis.
O processo da morte
Apesar de em nossa civilização a existência além da vida ser considerada ficção, fazendo parte daquilo que os cientistas chamam de fantasia ou superstição, outros povos que desenvolveram grandes civilizações que lograram avanços, não tanto no mundo exterior como faz a civilização ocidental, desenvolveram-se em outro sentido, em direção aos mundos interiores, em busca dos universos contidos dentro do ser humano. Os sábios dessas civilizações, verdadeiros pesquisadores da consciência, apoiados no tríplice suporte formado pela religião, pela ciência e pela arte, tornaram-se verdadeiros cosmonautas de mundos que só podem ser atingidos pela introspeção. Lograram ultrapassar os portões da morte e travar relações com seres, aos quais chamamos deuses, anjos e demônios.
Parte dos segredos dessa ciência verdadeiramente hermética, foi registrado pelos egípcios no Pert em Hru, nome que poderíamos traduzir por “O surgir do dia”, conhecido no mundo acadêmico como “O Livro dos Mortos”. Outros povos também deixaram compilações a respeito desse importante assunto, porém nenhum povo deixou uma codificação mais clara e precisa do que o povo Tibetano, místico por natureza, eles registraram suas experiências nesse campo no livro conhecido como Bardo Thodol, que poderíamos traduzir aproximadamente por, “Libertação pela audição no plano post-mortem”, essa coletânea de conhecimentos passados de boca para ouvido, compilados no século VIII d.C., pelo mestre Padmasambava, seria o livro dos mortos tibetanos.
Segundo os ensinamentos contidos no Bardo Thodol, da mesma forma que existe uma arte de viver, existe uma arte de morrer, e o momento mais importante da existência, é o momento de sua passagem, momento em que o indivíduo precisa de paz e tranqüilidade; tão delicado como no nascimento. Nessa ocasião a pessoa deve estar o mais consciente possível a respeito do que está lhe ocorrendo e não adormecido, sobre o efeito de drogas e sedativos, que faz com que a grande maioria dos moribundos não saiba o que esta lhes ocorrendo. Isso, promoveria a perda da grande oportunidade de saírem do roda de nascimentos e mortes, da Roda de Sansara, a que todos os seres encarnados estão submetidos.
Segundo o livro dos mortos tibetanos, durante a morte a percepção do que acontece no exterior vai sendo substituída pelo aumento da percepção do que acontece em nosso interior. O primeiro dos fenômenos mais marcantes que o indivíduo percebe é uma luz clara, branca, que lhe aparece através de um túnel. Segundo os tibetanos, esse fenômeno se dá, por que a energia vital, conhecida como Kundaline, que encontra-se na base da coluna vertebral, emite sua primeira irradiação, no seu processo de abandono do corpo.
Essa primeira irradiação percorre um dos três canais etéricos localizados na coluna, conhecidos por Nadis, abrindo caminho do Chacra Raiz, situado na região do cóccix, até o centro de força situado no alto da cabeça, por onde deixará o corpo.
Quando essa primeira irradiação da energia vital, passa pelo centro de força situado no peito, conhecido como Chacra Cardíaco, o moribundo percebe uma luz brilhante surgindo no fim de um túnel. Isso acontece por que durante a morte a consciência é transferida para o Chacra Cardíaco, que é onde reside a essência do ser, onde vibra o chamado átomo primordial, por isso quando a energia vital passa por esse chacra, o indivíduo tem a impressão de ver uma luz brilhando através de um túnel (o Nadi da coluna vertebral que está ativado no momento).
A esse primeiro aparecimento da luz brilhante e diáfana os iniciados chamam de primeira apresentação. Se durante essa irradiação o indivíduo for capaz de unir-se a luz, fundindo sua consciência individual à sua vitalidade, no microcosmo de seu corpo, atingirá o estado vibracional do Sol Central macrocósmico, fundindo-se a ele, que em absoluto repouso é o plano da existência eterna, que vibra no centro da roda de nascimentos e mortes.
Se, no entanto, o indivíduo por medo, não conseguir fundir-se a essa luz brilhante, esta desaparecerá, e o ser mergulhará num estado de sonolência, até a chamada segunda apresentação, que ocorre quando mais uma vez, outra parcela da energia vital irradia-se através da coluna vertebral, por um dos dois canais etéricos restantes. Essa segunda parcela de energia liberada pelo Chacra Raiz, desperta as formas pensamento, que foram geradas pela pessoa durante sua vida, e essas formas pensamento “saltam diante deste”. Durante essa experiência, seus pensamentos e sentimentos, bons, assumem formas, bondosas e belas, de santos, parentes desencarnados, etc., que com seus conselhos nos confortam.
Durante esse período toda a câmara cardíaca é permeada pela luz da segunda emanação, que como um perfume sutil pode não ser percebida, em meio aos estímulos gerados pelas formas de pensamento que lhe invadem a consciência, mas se o moribundo for capaz de entender que essas visões não passam de criações psíquicas dele mesmo e não se fixar nessas imagens, o ser consciente poderá tentar perceber a luz brilhante nessa segunda tentativa. Se ele não for capaz de realizar isso, as formas benévolas serão sucedidas pelas formas aterradoras, que representam seus desejos e pensamentos violentos, egoístas, de ódio, de ambição, etc. Mesmo diante dessas imagens ameaçadoras, o iniciado não se abalará, mantendo-se em estado de meditação, de tranqüilidade e harmonia, no estado de consciência chamado pelos místicos de Dhiana, que poderá promover sua integração interna e libertá-lo do ciclo de encarnações. Cabe dizer que, essa libertação só será possível após o indivíduo ter concluído seu aprendizado na terra, tendo reunido valores que o possibilitem atingir o estado de meditação profunda, o estado de Dhiana.
Se, porém, o moribundo não conseguir fundir-se a segunda emanação, reintegrando-se a natureza prístina, a consciência é atraída pelos centros de força inferiores, ligados a sentimentos e pensamentos altamente materialistas, que vão envolvendo o ser com imagens hedonistas normalmente ligadas as suas fraquezas, que o arrastam para uma espécie de pesadelo.
Por fim, o ser mergulha num estado de inconsciência, que é alternado por períodos conscientes, carregados de imagens que pululam no inconsciente coletivo, ligadas a seus condicionamentos. Esse período tem duração relativa, pois como já dissemos, o passar do tempo no plano astral difere do seu transcorrer no plano físico. Alguns dias no plano físico podem parecer eternidades no astral e centenas de anos no físico podem representar segundos no astral. Assim a personalidade vai se dissolvendo em meio as ilusões do plano astral.
Posteriormente, ao penetrar no plano mental, ela é envolvida pelos condicionamentos mentais. O indivíduo fica nesse estado semiconsciente até que a personalidade se desintegre totalmente e a energia vital, numa terceira e última irradiação, seja absorvida pela mônada.
Vale esclarecer, que o que é absorvido pela mônada, é a essência espiritual, o átomo primordial, a verdadeiro Homem: Uno, Trino e Indivisível, pois nesse ponto a personalidade, não mais existe. Esse átomo primordial, a essência que animava a personalidade, é reintegrado à mônada para que seja revitalizado, e novamente “enviado” a face da terra, quando houver uma nova oportunidade de aprendizado, quando serão reconstruídos seus veículos mentais e emocionais, sendo atraída por fim, para dentro de um útero, para reconstruir um corpo físico.
Todo o trabalho da iniciação, todo o trabalho de uma Escola Iniciática, é no sentido de preparar o discípulo para a morte, para o momento em que ele terá a oportunidade de se iluminar, através da integração com sua essência.
É importante ressaltarmos, que durante a vida terrena, isso poderá ocorrer, o indivíduo devidamente preparado poderá iluminar-se, fundindo sua consciência à sua vitalidade, atingindo um nível vibracional que o possibilite integrar-se ao seu verdadeiro Ser, o Sol Central, do qual ele é apenas um dos raios.
Dessa forma existem seres na terra que são verdadeiras expressões da Divindade entre nós e como tal, são reconhecidos pela natureza e pelas pessoas com sensibilidade para tal. Estes são os chamados iluminados, seres que em vida viram a luz brilhante de seu eu interno, e nela estabeleceram o centro de sua existência.
O indivíduo deve durante a sua vida terrena, preparar-se para a morte, sem exageros mórbidos, mas com seriedade, consciente de que assim como nascemos, todos passaremos por ela , entendendo que todo o apego, toda resistência à mudança, só produz sofrimento e decepções, pois a vida é um fluxo e a tentativa de deter esse fluxo por mero capricho, nos coloca em oposição as Leis Universais. O ser tem que ser capaz de desapegar-se de situações e pessoas, tornando-se flexível em seus conceitos, como uma criança, aprendendo, modificando-se, fluindo como um rio. Poderíamos dizer num sentido psicológico, morrendo e nascendo, transformando-se a cada dia.
Somente se pudermos compreender isso, seremos capazes de entender a chave iniciática contida nas palavras de São Francisco de Assis, quando dizia que “…é morrendo que se nasce para a vida eterna” ou a declaração proferida pelo Faraó, no final da quinta etapa da iniciação egípcia, “Sebek Ur Sebek” – “Só a morte pode vencer a morte”.
 Autor: Márcio Homem
Fonte: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2015/06/11/a-doutrina-secreta-da-morte/

domingo, 23 de outubro de 2016

EDUCAÇÃO E O SIGNIFICADO DA VIDA


         “Enquanto o mundo desaba ao redor de nós, estamos discutindo teorias e vãs questões políticas, e entretemo-nos com reformas superficiais. Não indicará esta atitude absoluta falta de compreensão da nossa parte? Alguns dirão que sim, mas continuarão a fazer exatamente a mesma coisa que sempre fizeram - essa é a tristeza da vida. Quando ouvimos uma verdade e não agimos logo, ela se transforma em veneno dentro de nós, e este veneno se espalha, gerando perturbações psicológicas, desequilíbrio e doença. Apenas ao despertar no indivíduo a inteligência criadora, existe a possibilidade de uma vida de paz e felicidade real.
Não podemos tornar-nos inteligentes apenas substituindo um governo por outro, um partido ou classe por outra, um explorador por outro. A revolução cruenta nunca resolverá nossos problemas. Só uma profunda revolução interior, que altere todos os nossos valores, pode criar um ambiente diferente, uma estrutura social inteligente; e uma revolução deste gênero só pode ser realizada por vós e por mim. Nenhuma ordem nova surgirá enquanto, individualmente, não derrubarmos nossas barreiras psicológicas e nos tornarmos livres.
Podemos traçar sobre o papel os planos de uma brilhante Utopia individual ou coletiva, de um valoroso mundo novo, vida nova; mas o sacrifício do presente a um futuro desconhecido não resolverá, por certo, nenhum dos nossos problemas. São tantos os elementos que intervêm entre o agora e o futuro, que ninguém pode prever como ele será. O que podemos e devemos fazer, se estamos interessados em nossas vidas, é atirar-nos imediatamente aos nossos problemas e não adiá-los para o porvir. A eternidade não está no futuro; a eternidade é agora. Nossos problemas estão no presente e só no presente podem ter solução.
Se temos verdadeiro interesse, devemos regenerar-nos; mas só haverá regeneração quando nos libertarmos dos valores que criamos com os nossos desejos agressivos de autoproteção. O autoconhecimento é o começo da liberdade, e só quando nos conhecermos a nós mesmos faremos nascer a ordem e a paz.
Aqui, perguntarão alguns: "Que pode fazer um só indivíduo, de efeito, na história? Pode realizar alguma coisa importante com sua maneira de viver?" Pode, indubitavelmente. Vós e eu não podemos, é verdade, sustar as guerras imediatas ou criar uma instantânea compreensão entre grupos, movimentos, nações; mas podemos suscitar, no mundo de nossas relações diárias, uma básica e efetiva transformação.
O esclarecimento individual pode de fato influir em grandes coletividades, desde que o indivíduo não esteja ansioso pelos resultados. Quando só pensamos em ganhos e resultados, a verdadeira transformação é impossível.
Os problemas humanos não são simples, mas extremamente complexos. Para compreendê-los é preciso paciência e discernimento, e é de suma importância que nós, como indivíduos, os resolvamos por nós mesmos. Eles não podem ser compreendidos com o auxílio de fórmulas cômodas ou de ‘slogans’, nem tampouco ser resolvidos nos seus respectivos níveis especialistas, os quais, seguindo sempre determinada linha de ação, criarão por certo mais confusão e misérias. Nossos inúmeros problemas, só serão compreendidos e solucionados, quando estivermos cônscios de nós mesmos como um processo total, isto é, ao compreendermos toda a nossa estrutura psíquica; nenhum guia político, religioso pode dar-nos a chave dessa compreensão.”
J Krishnamurti – Livro “Educação e o significado da Vida”
Fonte: http://lojateosoficadharma.blogspot.com.br/2016/04/educacao-e-o-significado-da-vida-j.html

terça-feira, 18 de outubro de 2016

ARRANCAR UMA FLOR AFETA UMA ESTRELA DISTANTE


            Um grande sábio disse certa vez que o arrancar de uma flor na terra afeta uma estrela distante. Essa afirmativa poderia parecer improvável, mas é verdadeira e refere-se à unidade inata de toda existência e sua íntima conexão em todos os níveis. Uma harmonia infinita na Natureza estende-se das menores formas de vida, ou microrganismos, aos maiores sistemas estelares e galáxias do universo. Essa ordem natural assegura que cada forma de manifestação de vida tem seu lugar e papel apropriados na evolução da vida até sua plenitude.
            De modo semelhante, o biólogo vienense do início do século XX, Raoul France, afirma que todo o mundo vegetal vive responsivo ao movimento da terra e de seu satélite, a lua, e ao movimento dos outros planetas do nosso sistema solar. Diz, ainda, que será provado que as estrelas e outros corpos cósmicos do universo afetam o reino vegetal. Toda a vida está unida por sutis laços de afinidade, e, portanto, qualquer movimento numa extremidade do espectro afeta a outra extremidade. Os campos mórficos de Rupert Sheldrake fazem eco a esse tema antigo de interconexão, sugerindo que experiências artísticas são realizadas no inconsciente de toda a humanidade.
            Em toda parte, no processo de evolução, há interligação e interdependência entre várias espécies de vida. A acácia, por exemplo, recruta o serviço de proteção de certas formigas e recompensa-as pagando-lhes com néctar pela proteção contra outros insetos e animais arborícolas. Nesse relacionamento entre a acácia e as formigas há um auxílio mútuo e elas mantêm a harmonia da Natureza. As plantas, segundo Raoul France, são capazes de intenção: elas conseguem, de um modo misterioso, esticar-se em direção àquilo que desejam ou buscam. É possível ver esse movimento nos bosques onde plantas espiralam para cima através da mata densa para captar a luz do sol. Para obter o auxílio adequado, elas se enroscam em torno das árvores e crescem juntas.
            As muitas espécies de vida que evoluem na terra agem de acordo com as limitações de suas formas e de seus instintos naturais. Referindo-se à grande inteligência que guia essa evolução A Luz da Ásia afirma:

               Um poder que constrói, destrói, e constrói novamente,
               governa todas as coisas de acordo com a regra.
               Da virtude, que é beleza, verdade, e uso:
               De modo que todas as coisas fazem bem aquilo que serve ao Poder,
               e mal aquilo que atrapalha; ademais, o verme faz bem,
             obediente à sua espécie;
             faz bem o falcão que carrega a presa sangrando para seu filhote.

            Cada espécie comporta-se instintivamente segundo suas necessidades. Quando o leão mata a presa, ele o faz em busca de alimento e não devido à malícia, e uma vez cheio o estômago, não tem razão para matar até a próxima refeição. Existem, no entanto, casos excepcionais no reino animal, de animais comportando-se contrariamente à sua natureza instintiva. Nos parques de caça do Quênia, havia uma leoa que recebeu o nome de 'Kamunyak', que significa 'a abençoada' no idioma Masai, pois ela repetidamente adotava jovens cervos e lhes dava proteção. A leoa não os feria, e eles andavam com ela daqui para ali sem mostrar qualquer sinal de medo. Esse é um exemplo de consciência animal que progrediu muito além de sua espécie, manifestando amor e compaixão.
            Existe uma harmonia natural entre as muitas espécies; assim sendo, elas se auxiliam umas às outras. Por exemplo, algumas variedades de pássaros pousam sobre grandes animais como os rinocerontes e proveem serviço comendo os carrapatos de seus corpos. No seu livro Kinship with all Life, o autor Allen Boone escreve a respeito de experiências humanas com animais e diz que é possível estabelecer genuíno relacionamento com eles. Num experimento particular, o autor registra sua extraordinária experiência com uma mosca doméstica com a qual foi capaz de estabelecer comunicação. Ele diz: 'Se você quiser aprender o segredo do reto relacionamento, procure apenas o bem, que é o divino, nas pessoas e nas coisas, e deixe o restante para Deus'.
            O professor J. C. Bose, o grande cientista do século XIX, citando os antigos sábios da Índia, disse com relação a isso: 'Aqueles que veem apenas o Um em todas as multiplicidades cambiantes deste universo pertencem à Verdade Eterna – e a ninguém mais, e a ninguém mais'. Como disseram os antigos sábios da era dos Upanishades, em seus escritos, a Natureza sussurra-nos de muitas maneiras e através de muitos meios. O cultivo da sensibilidade para se experienciar a vibração e a harmonia da vida é a estrada que leva à percepção. A consciência humana perdeu muito de sua sensibilidade sob a influência do materialismo.
            Existe um relato interessante da resposta dada pelo Chefe Indígena Seattle ao governo dos EUA quando este se ofereceu para comprar as terras da tribo. Ele respondeu:

               Nós somos parte desta terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs;
               o veado, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos. Os cumes rochosos, os sulcos nos
               prados, o calor do corpo do pônei e do homem – tudo pertence à mesma família.
               Os rios são nossos irmãos, eles mitigam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas, e
               alimentam nossos filhos. Se vos vendermos nossa terra, deveis lembrai-vos de ensinar a vossos
               filhos que os rios são nossos irmãos, e vossos; e deveis doravante dispensar aos rios a gentileza
               que dispensaríeis a qualquer irmão.

            Nessa mensagem do grande Chefe é sugerida uma maneira de vida na qual existe harmonia com toda a existência e percepção da beleza da Natureza. Uma reflexão sobre nossos valores atuais indica que estamos muito distanciados da harmonia da Natureza e consequentemente, há muito sofrimento no mundo. O uso excessivo que atualmente se faz dos recursos da Natureza alcançou níveis tão perigosos que seu frágil equilíbrio está ameaçado. A perversão começa com a raça humana que, por sua ganância e por seu, egoísmo, é responsável pelo estado em que a terra, sua vegetação e as várias outras espécies de vida, se encontram.
            O princípio de Fraternidade Universal sem qualquer distinção, não apenas como um ideal pelo qual se deve aspirar, mas como uma realidade na Natureza, precisa ser compreendido. A afirmação de que 'o arrancar de uma folha afeta uma estrela distante' põe em foco a responsabilidade que assumimos por todas as nossas ações. Será que nossas ações contribuem para a criação de harmonia ou de desarmonia no mundo? O estado de percepção faz brotar as sutis motivações da mente.
            A mente humana divide e diferencia entre o que ela identifica como o eu de um lado, e os outros de outro. Ela acentua e perpetua as diferenças, em vez de ver a unidade inerente da existência. A percepção permite à pessoa observar suas (da mente) verdadeiras operações.
            O precondicionamento da mente faz com que o processo de pensar funcione ao longo de sulcos pré-estabelecidos. Ela categoriza e diferencia de muitas maneiras. Ao lidar com outras pessoas, introduz a separação com base em casta, credo, e assim por diante. Ela também funciona com autoimportância, depreciando os outros como não sendo importantes. O movimento na mente é tão sutil que, a não ser que a pessoa desenvolva atenção e percepção, não é notado. Ela possui habilidade para convencer que está livre de qualquer tipo de distinção como raça, religião, sexo etc., mas a observação atenta põe em foco as motivações por trás de suas ações. O eu se manifesta de muitas maneiras ao lidar com o mundo ao seu redor. Com a percepção surge a aceitação de que as distinções existem na mente e que têm de ser enfrentadas.
            Krishnamurti afirma que somos responsáveis pelo estado em que o mundo se encontra porque pensamos em termos de raça, religião, casta etc. O indivíduo torna-se responsável pelos problemas enfrentados pelo mundo. Por nossas ações enviamos ondulações através do universo e perturbamos a harmonia quando elas não são de auxílio. É, portanto, um truísmo que o arrancar de uma flor afete uma estrela distante. Quando olhamos para as muitas questões que a humanidade geralmente enfrenta, deveria surgir em nossas mentes a pergunta quanto à nossa responsabilidade em contribuir para tais problemas. Certa vez na Índia perguntaram a Krishnamurti sobre a verdadeira causa da morte prematura do Mahatma Gandhi. Sua resposta foi:

               Os eventos mundiais não são incidentes sem relação entre si; estão relacionados. A verdadeira
               causa da morte de Gandhi está em você. A verdadeira causa é você. Pelo fato de ser comunalista,
               você encoraja o espírito de divisão através da casta, através da ideologia, através das diferentes
               religiões, seitas, líderes.

            Aqui estão resumidos alguns dos problemas que se opõem ao espírito de Fraternidade Universal. A reflexão profunda certamente trará à nossa atenção muitas dessas condições das quais sofremos todos. A estrada que leva à percepção é reconhecer essas tendências dentro de nós e negá-las, dissociando-nos delas. Os objetivos da Sociedade guiam-nos com clareza.
            Outra importante questão com que se depara a humanidade é sua total alienação da Natureza. Certamente que a fraternidade a que nos referimos não está restrita apenas aos seres humanos. Se os animais, as árvores e outras formas de vida não forem considerados de maneira compassiva, então, a verdadeira fraternidade não existe.
            A Mãe Natureza não tem recebido a consideração devida da raça humana. A derrubada de enormes áreas florestais, a mineração excessiva, a poluição de rios e mares resultaram na extinção de muitas formas de vida. A harmonia da Natureza é perturbada e como consequências resultantes temos mudança de clima, tsunamis e terremotos.
            Estarão os valores da sociedade moderna baseados puramente no progresso material? Os seres humanos foram condicionados a acreditar que cada vez mais bens materiais são desejáveis e que isso lhes trará felicidade. No entanto, não é bem assim, como muitas pessoas descobriram após muito sofrimento. A competição excessiva que influencia muitas pessoas e faz com que aspirem por cada vez mais riqueza não traz em seu bojo nem a felicidade nem o contentamento.
            Existe a necessidade de se reavaliar os valores da sociedade materialista atual e reverter a um modo mais natural de vida que permitiria ao homem religar-se à Natureza. O Chefe Indígena Seattle expressou a realidade do moderno modo urbano de viver quando disse que não havia lugar na cidade para se ouvir o som das folhas que se abrem na primavera, ou o som do zumbido das asas dos insetos. O ruído e a tagarelice da vida moderna alienam o homem da Natureza.
            A apreciação da beleza inata da flor, do rio, da montanha etc. restabelece elos com a Natureza. Existe uma bela história de um escultor de uma aldeia já acostumada com o cinzelar, o martelar e o desbastar. Mas certo dia foi diferente. No lugar de um enorme bloco de pedra, havia agora uma deusa viva, bela e brilhante, banhada na luz suave do sol matinal. Os aldeões estavam maravilhados e surgiu a pergunta: Como você sabia que ela estava escondida aí dentro?' O escultor sorriu com um olhar distante e disse: 'Porque eu a via aí dentro'.
            Perceber a vibrante energia oculta, o desabrochar da consciência, nos animais, nas plantas e até mesmo nas pedras, aparentemente inertes e inconscientes, é a estrada que leva à percepção. Compreender os modos infinitos de expressão da Natureza e ver a consciência manifestando-se em tudo é harmonizar-se com toda a vida.

Autor: Bhupendra R. Vora

Extraído de: The Theosophist – Nov. 2010 – Publicado na revista TheoSophia
Tradução: Edvaldo Batista de Souza, Loja Kut Humi, Salvador, BA
Fonte:http://lojateosoficadharma.blogspot.com.br/2016/01/arrancar-uma-flor-afeta-uma-estrela.html

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O CAMINHO DO DHARMA


“Na cidade de Svatthi, no norte da Índia, Buda mantinha um grande centro onde as pessoas vinham meditar e ouvi-lo discorrer sobre o Dharma.
            Todas as noites, um jovem aparecia para ouvir suas palestras. Durante anos ele apareceu para ouvir as pregações de Buda, mas nunca colocou em prática qualquer dos ensinamentos recebidos.
Até que certa noite, chegando um pouco mais cedo, encontrou Buda sozinho. Aproximando-se, interpelou-o:
-Senhor, tenho uma pergunta que fica surgindo em minha mente e provocando dúvidas.
-Oh? Não deve haver dúvidas no caminho do Dharma. É preciso esclarecê-las. Qual é sua pergunta?
- ‘Senhor, há muitos anos que venho ao seu centro de meditação, e reparei que há um grande número de reclusos ao seu redor, monges e freiras, e um número ainda maior de leigos, homens e mulheres. Alguns deles vêm aqui há anos e posso ver com clareza que alcançaram o estágio final: é bastante óbvio que se encontram plenamente libertos. Posso ver também que outros experimentaram uma certa mudança em suas vidas.’
‘Também eles se liberaram. Mas, senhor, também noto que há um grande número de pessoas, dentre as quais eu me incluo, que permanecem como eram, ou estão talvez piores. Não mudaram em nada, ou não mudaram para melhor. Por que há de ser assim, senhor? As pessoas vêm procurá-lo, um grande homem, plenamente iluminado, um ser poderoso e compassivo. Por que o senhor não usa o seu poder e a sua compaixão para liberá-las todas?
Buda sorriu e perguntou:
-Meu jovem, onde você mora? Qual é sua terra natal?
-Moro aqui em Savatthi, senhor, capital do estado de Kosala.
-Sim, mas seus traços mostram que você não é desta parte do país. De onde veio? Onde nasceu?
-Sou da cidade de Rajagaha, senhor, capital do estado de Magadha. Vim para cá e me estabeleci em Savatthi há alguns anos.
-E rompeu todas as ligações com Rajagaha?
- Não, senhor, ainda tenho parentes lá. E amigos também. Faço negócios em Rajagaha.
-Então com certeza deve ir e vir de Savatthi para Rajagaha com bastante frequência?
-Ah, sim. Várias vezes por ano eu visito Rajagaha e retorno a Savatthi.
-Tendo ido e voltado tantas vezes, tendo percorrido tantas vezes o caminho daqui a Rajagaha, você conhece bem o percurso.
-Sim, senhor. Conheço a estrada perfeitamente. Diria até que com os olhos vendados eu poderia achar o caminho para Rajagaha, tantas vezes eu percorri.
-Deve acontecer então que as pessoas lhe procuram para que lhes explique como chegar daqui a Rajagaha. Você esconde alguma coisa delas ou explica-lhes o caminho sem evasivas?
-O que haveria de esconder senhor? Eu explico o mais claramente possível: comece caminhando para leste e siga em direção a Varanasi, continue caminhando até chegar a Gaya e em seguida a Rajagaha. Explico-lhes o caminho de maneira a não deixar dúvidas.
-E essas pessoas a quem você dá explicações tão claras, todas elas chegam a Rajagaha?
-Como poderiam, senhor? Somente aquelas que percorrerem todo o caminho até o fim é que chegarão a Rajagaha.
-É isso que eu quero lhe explicar, meu jovem. As pessoas vêm a mim sabendo que sou alguém que já percorreu o caminho daqui até o Nirvana e sabendo que o conheço bem. Eles vem a mim e perguntam: ‘Qual é o caminho para o Nirvana e a libertação?’ Eu explico claramente: ‘Este é o caminho’. Se alguém apenas abana a cabeça e diz, ‘Bem dito, muito bem dito, um excelente caminho, mas não vou dar um passo nele: um caminho excelente, mas não vou me dar ao trabalho de percorrê-lo’, como essa pessoa poderá atingir o destino final?
Eu não carrego ninguém nos ombros até o destino final. Ninguém pode carregar ninguém nos ombros ao destino final. No máximo, com amor e compaixão, é possível dizer, ‘Bem, este é o caminho e é assim que eu o percorro. Se você também caminhar, certamente atingirá o destino final’.
Mas cada pessoa deve percorrê-lo por si, deve dar cada um dos passos ao longo do caminho por si. Aquele que deu um passo no caminho está mais próximo do destino. Quem deu cem passos, está cem passos mais próximo. Quem deu todos os passos do caminho atingiu o destino final. Mas cada um tem de percorrer o caminho por si mesmo.”

Fonte: http://lojateosoficadharma.blogspot.com.br/2016/01/o-caminho-do-dharma.html

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

NO OLHO DA TEMPESTADE


No primeiro capítulo do Bhagavadgita, Sanjaya, o narrador, descreve o que se assemelha a um estrondo incrivelmente alarmante e ensurdecedor, quando os dois exércitos preparava-se para a batalha. Nas próprias palavras do texto, ‘conchas, clarins, tambores, surdos e cornetas subitamente soaram juntos, e o som era terrível’. Sanjaya continua a descrição da cena, com todo ruído envolvido, e acrescenta: “Este barulho tumultuoso se apodera dos corações dos filhos de Dhrtarashatra, enchendo céu e terra com seu som”. Tão vívida é a descrição que recebemos, que quase podemos ouvir com nossos ouvidos físicos a terrível cacofonia do som, e sentir dentro de nós o terror do conflito que se aproxima.
            Hoje parece que o mesmo tumulto de som nos ataca, quer literalmente das planícies do Iraque ou, em sentido figurado, dos mercados comerciais e econômicos do mundo. As nuvens de tempestade estão sobre nós e nos sentimos tão temerosos e ansiosos como Arjuna, trêmulos e indecisos, tão confusos e desnorteados como esse representante da condição humana frente ao que parecem ser forças demoníacas soltas no mundo. Há mais de um século o poeta inglês Matthew Arnold descreveu isto muito bem:

         E aqui estamos, como numa sombria planície
Varrida por alarmes confusos de luta e movimento,

Onde à noite se batem exércitos ignorantes.
            Embora não pretenda continuar num estudo do Gita, no capítulo inicial desta bela obra, um ponto merece nossa atenção e nos conduz diretamente ao assunto que desejo tratar. Enquanto Arjuna, tremendo de medo pela visão e o som que o dominam, ainda assim ordena a seu cocheiro, o divino Krishna, levá-lo ao centro do campo entre os dois exércitos adversários. Diz ele: ‘Coloque meu carro no meio, entre os dois exércitos’. E, ao ordenar esta ação a Krishna, Arjuna se dirige a ele como ‘Achyuta’ reconhecendo-o assim como o centro interno ‘imóvel e imutável’ representado por Krishna.
            Por isso sugerimos que a verdadeira e urgente necessidade de nossos dias, para todos  nós colhidos pelo som e pela fúria de nossa atual situação, é nos movermos para o centro e aí ‘estacionar’ nosso carro, porque somente no centro podemos começar a observar a esfera total de ação da existência. Somente quando o veículo que usamos, o eu pessoal, é conduzido a um estado de quietude – parado no centro – estaremos na posição de compreender qual é a ação correta. Identificar-se com um lado ou outro do conflito que turbilhona sobre nós, estar no redemoinho dos ventos da fortuna, correr de um lado para outro buscando soluções externas, puxados e empurrados pelas tempestades da paixão, é agir cegamente sem razão – e certamente sem compreensão das profundas raízes da presente crise que nos aflige. Quando o mundo está em chamas, quando todas as trombetas da miséria humana estão soando, o que se exige é movimento, não uma postura de quietude. Não há tempo para uma tranqüila observação de qualquer centro, mesmo se pudéssemos encontrá-lo. A tempestade está desencadeada; devemos agir!
            Mesmo assim, façamos uma pausa. Numa saliência sobre minha escrivaninha há uma pequena e bela estátua de bronze de Krishna na posição tradicional tantas vezes representada, seu peso descansando levemente sobre uma perna, a outra perna cruzada na frente, os dedos dos pés tocando levemente o solo. Ele está tocando o mais delicado de todos os instrumentos, a flauta, que dificilmente produzirá o som que abafará o ruído das trombetas e tambores. Sua face mostra uma expressão de completa tranqüilidade, de inefável paz. Há – ou assim me parece – um sentido de ação no meio da não-ação. Além do tumulto e fúria da tempestade, há a doce música, pura e agradável da flauta acalmando o ruído do mundo.
            Qual a lição da pequena estátua de Krishna? E qual é o significado da necessidade de Arjuna de se colocar no centro, entre os exércitos prestes a combater? Talvez para nós seja hora de considerar o valor de estar no centro de nosso ser, onde o veículo que usamos a cada dia – a personalidade – deve ficar, controlada nem que seja por um momento, para que possamos ouvir a voz do imutável. Aí poderemos achar o segredo da ação correta – o ‘segredo real’ como o Gita o chama – pelo qual o mundo está buscando tão desesperadamente. Nestes ciclônicos tempos, quando tudo que parece seguro está sendo varrido por tempestades que rugem sobre nós, podemos lembrar – para mudar a metáfora de batalhas para ciclones – que no olho de toda tempestade há completa calma. Aí certamente, pelo menos em sentido figurado, é onde deve estar o teósofo: no centro quieto e tranqüilo. E como o sábio taoísta, poderemos compreender ‘a graça de existência e o uso da não-existência’, citando o paradoxo que indica o tipo de ação que surge natural e espontaneamente da não-ação no centro imutável do ser. Citando uma tradução do belo texto do Tao-Te-Ching:

        Trinta raios convergem para o cubo da roda:
É onde está o não-ser, (o espaço vazio)

Onde está a utilidade da roda.

Do barro se molda um vaso:

É onde está o não-ser,

Onde está a utilidade do vaso.

Portas e janelas são moldadas ao construir uma casa:

É onde está o não-ser,

Onde está a utilidade da casa.

Sendo assim, quando o ser é valorizado,

É o não-ser que tem utilidade.
            Devemos perguntar se isto significa que devemos cessar de ser, tornar-nos nada, um zero em existência? Ou isto indica – como na realidade Arjuna descobriria – um novo modo de ser no qual a ação se origina de um centro sem ação? Talvez a mais elevada forma de ação, a ação correta e verdadeira seja, num paradoxo, não tanto uma ação como uma presença. Citando novamente o Tao:

        Retornar à origem significa quietude;
Quietude significa renovação da vida.
            Assim falou Lao Tze sobre o pré-requisito essencial para uma vida significativa: ‘Mantenha a quietude em todo seu ser’. É esta quietude que é representada tão perfeitamente na pequena estátua de Krishna, uma quietude que era realmente necessária a Arjuna para ouvir os ensinamentos dados por seu cocheiro, a quietude tão sucintamente expressa pelo salmista Davi, na completa simplicidade de sua oração, ‘Fique tranqüilo e saiba que eu sou Deus’. O poeta T. S. Eliot falou desta quietude como ‘o ponto imóvel no mundo que gira’, e o poeta místico irlandês AE o descreveu como ‘este centro dentro de nós através do qual todos os fios do universo são puxados’, um centro completamente imóvel e que ainda serve como um espelho para todos os acontecimentos.
            É muito fácil agir impetuosamente, muito fácil lançar-se apressadamente em atividade com a excitação da paixão para fazer o melhor porque nos importamos tanto pelo bem-estar do mundo. Podemos até ter algum sentimento de culpa se pararmos por alguns momentos, quando todos a nosso redor se desgastam com excesso de tarefas, envolvidos numa atividade infindável de ‘fazer o bem’ como chamamos estas atividades. Especialmente como teósofos, podemos sentir algumas agulhadas na consciência quando, como acontece freqüentemente, nos perguntam ‘o que vocês fazem para amenizar o sofrimento da humanidade? E então, para livrar nossa consciência indicamos as inúmeras atividades da Ordem Teosófica de Serviço – OTS, ou o trabalho individual de alguns membros em diversas áreas.
            Ora, não estou sugerindo que não façamos nada, ou que sentemos em constante contemplação do vazio seja preferível à ação altruísta. Certamente nunca nos aconselharam a voltar as costas a ações que beneficiem os outros, (inclusive os chamados ‘irmãos mais novos’, dos reinos animal e vegetal). Em vez disso devemos propor que a filosofia teosófica dê uma dimensão acrescida ao significado da ação, por que indica claramente uma maneira de viver no mundo, que pode ser definida como o caminho do serviço através da presença. Isto é, nossa simples presença influencia de tal maneira o mundo a ponto de transformá-lo, ou ajudar a realizar essa profunda transformação da consciência, a única solução definitiva para os problemas da humanidade. Essa vida é aquela vivida no centro, ou formar o centro no olho da tempestade. Deste centro brota uma emanação de paz, amor, compaixão e compreensão.
            A psicologia atual reconhece que uma enorme multidão pode ser arrastada num redemoinho por uma única e poderosa pessoa. A história está cheia de registros destes indivíduos, cuja turbulência e excitação acenderam paixões e delírio de todos a seu redor: Genghis Khan, Rasputin, Hitler, etc., a lista é quase infindável. Da mesma forma a psicologia reconhece a influência do indivíduo correto, internamente integro e harmônico que cria um centro de calma externa. A história nos fornece exemplos e ‘grandes homens’, cuja grandiosidade estava em suas maneiras de agir no mundo: desde Krishna a Cristo, santos e salvadores, os sábios, os ‘despertos’(Buddha-s), que desde tempos imemoriais visitaram a humanidade e continuam a nos instigar a encontrar o centro e aí permanecer.
            Há uma história antiga de dois homens que aravam seus campos, uma história que ilustra o que quero dizer. A terra era pedregosa e o tempo mau, faltara chuva e o rio que a irrigava estava seco. Enquanto cavavam seus sulcos, um deles tinha a boca fechada e os olhos fixos. Pensava apenas na dureza de sua vida, na dor de seus pés e de suas pernas. Maltratava seu magro cavalo que não queria andar depressa. Olhando para o companheiro, concluiu que seu cavalo era mais ágil, que seu trigo deveria estar mais alto e granado do que o seu, e que a terra desse homem era mais fácil de arar. Enquanto isso, seu vizinho trabalhava com ritmo e harmonia, concentrando-se em como fazer seus sulcos retos, parando aqui e ali para descansar sua égua. Parecia tranqüilo, sem pressa nem cansaço. Com o calor do sol aumentando, o primeiro batia mais ainda em seu cavalo; o suor banhava sua face e pingava em seus olhos deixando-o quase cego; as veias de suas mãos inchavam quando ele empunhava seu arado. Ele pensava apenas que seu vizinho zombava dele, fazendo seu trabalho lentamente, com a mesma calma em seu rosto. Sua raiva foi num violento crescendo e em sua cabeça repetia-se um refrão: ‘Se eu tivesse seu cavalo poderia cavar duas vezes mais rápido.se eu tivesse seu lote não seria tão difícil arar’. Finalmente em desespero, ele jogou para o lado seu arado, pegou a maior pedra que encontrou e com um grito selvagem correu com ela pelo campo em direção a seu vizinho. No dia seguinte, o outro camponês estava arando seu campo, mas ele agora usava dois cavalos. Mesmo assim, andava mais devagar por estar triste e intrigado com lembrança do dia anterior, quando, surpreendido pelo grito selvagem, viu seu vizinho vir em desabalada corrida, com o braço esticado para jogar-lhe uma enorme pedra. Mas antes que pudesse reagir, viu seu vizinho cair morto a seus pés, ainda agarrando a enorme pedra. Até o dia de morrer, esse homem nunca pôde entender o que se passara na mente de seu vizinho, nem como surgira sua violência selvagem repentina.
            A raiva e a paz são qualidades pessoais que nascem nos fascinantes locais secretos da mente e do coração. Não é suficiente dizer que estes dois homens neste antigo relato tinham estados diferentes de mente e deixar isto por isso mesmo. É muito claro que a diferença entre eles estava num certo nível mais profundo, que atingiu a consciência de um centro que, na realidade, é comum a todos nós. Num caso, o efeito na consciência foi através da mente focada no auto-interesse, na ganância, na inveja e no desejo; no outro caso, a mente estava calma, resoluta, cuidando do animal, da terra e do trabalho a ser realizado. Perguntamos então, será possível cultivar os valores que emergem desse profundo centro dentro de nós, para nos capacitar a ser uma presença de paz no mundo, uma presença que irradie calma e encoraje a criatividade do espírito? É possível desembaraçar nossa natureza psicológica de tudo que produz conflito e violência, permitindo o livre fluxo de energia desde esse centro interno de nosso ser, esse centro comum a todos e à ninguém em especial, e mesmo assim singular em cada vez que opera num indivíduo? Já que Atman – se quisermos designar esse centro – é na verdade universal, e portanto comum a todos; ainda assim, em cada indivíduo se revela sua singularidade de expressão.
            Todos os textos antigos nos dizem que é possível desembaraçar-se de nossa natureza psicológica. O processo é descrito nas escrituras ióguicas e místicas em todas as tradições religiosas, e nos sistemas psicológicos atuais que enfatizam o individualismo, a auto realização e a transformação num nível transpessoal. Na mais bela e verdadeiramente singular de todas as obras de H. P. Blavatsky, A Voz do Silêncio, o processo de desembaraço que produz o tipo de iluminação na qual o indivíduo tona-se, não apenas auto-iluminado, mas um genuíno doador de luz ao mundo, é chamado de ‘a senda paramita’, em terminologia budista, e descreve os sete portais através do quais o aspirante deve passar em sua jornada para o centro.
            Por vezes designadas como ‘virtudes transcendentais’, as paramita-s são qualidades de existir neste centro. Elas estão essencialmente presentes nesse espaço interior ao que podemos chamar de ‘olho’ de nossas tempestades pessoais externas, porque quando chegamos nesse espaço interior – esse centro, esse ‘olho’- as tempestades externas cessam, surge o sol de nosso ser que dispersa até mesmo as nuvens mais sombrias e ameaçadoras. Os textos budistas mahayana enumeram seis ou dez paramitas, ‘virtudes’ ou ‘perfeições’, que devem ser praticadas no caminho do Bodhisattva, a senda da compaixão. H. P. Blavatsky menciona sete, chamando-as de ‘chaves douradas’ que abrem os ‘portais do caminho espinhoso para jnana’ ou sabedoria. Da mesma maneira na Voz do Silêncio estas ‘excelsas virtudes’ são mencionadas como:

        Dana, a chave para a caridade e amor imortal.
Sila, a chave para a harmonia de atos e palavras, a chave que equilibra causa e efeito, e não dá espaço para a ação kármica.

Kshanti, a suave paciência, que nada pode perturbar.

Viraga, a indiferença ao prazer e à dor, o domínio da ilusão, que percebe apenas a verdade.

Virya, a destemida energia que abre caminho do lamaçal das falsidades terrestres até a sublime verdade.

Dhyana, cujas douradas portas conduzem o Naljor ao reino do eterno Sat e à infindável contemplação.

Prajna, a chave que transforma um homem em deus, tornando-o um Bodhisattva, filho dos Dhyani-s.
            Muitos bons e úteis comentários foram escritos acerca destas qualidades sublimes, mas vamos abordá-las considerando como elas podem nos livrar dos maiores grilhões que afligem nossa natureza psicológica – complicações que causam nossas tormentas pessoais. Através da prática destas belas virtudes podemos começar o processo de desatar os nós que nos limitam, nos livrando do envolvimento na confusão e caos que parecem caracterizar nosso mundo contemporâneo. Em conjunto, as paramita-s tornam-se uma maneira de viver desde o centro.
            Hoje a humanidade (e nós como indivíduos) parece estar dominada pela cobiça e pela paixão, apego à riqueza, a posses, à posições e ao poder. Estes são os primeiros dos grandes grilhões que nos mantém enredados na rede da auto-estima, do auto-interesse. Somente a realização, o pleno conhecimento de que a vida é una, indivisa, um todo que em essência ‘ prajna ou sabedoria, pode nos livrar do sentimento de separatividade que promove a cobiça e o próprio interesse. E com esta compreensão surge espontânea e naturalmente uma verdadeira caridade de espírito, dana, uma doação genuína de tudo que somos ao serviço de tudo que vive. É a atitude indicada em dos Upanishad-s: ‘O marido é valioso, não pelo bem do marido, mas pelo bem do Eu é o marido valioso’. ‘A esposa é valiosa, não pelo bem da esposa, mas pelo bem do Eu é a esposa valiosa’. E o texto continua com outros relacionamentos; tudo é valioso apenas ‘pelo bem do Eu’, o Uno que está no centro de todos os seres. Assim é que aprendemos a agir com um espírito de verdadeira universalidade, por nossa conscientização da unidade; assim todo pensamento, sentimento e ação está baseada nesta conscientização e portanto está cheia de amor e cuidado pela preciosidade da vida. Cada ação, sem mácula pela preocupação com o eu pessoal, brota da não-ação no centro de nosso ser.
            A segunda maior aflição que nos prende e embaraça, causando miséria e infelicidade no meio das tempestades da existência, são nossas antipatias, nossas animosidades e ciúmes, o gostar e o desgostar que brotam deste sentimento do eu separado. É o mal universal que envenena tantos relacionamentos, enraizado em nossa auto preocupação e na incapacidade para reconhecer a realidade da vida una. Alimentando nosso próprio interesse, não vemos como agir em conformidade e cooperação com as inexoráveis leis da natureza, rechaçando o espírito de discórdia e resistência. E a contemplação interna da vida una, dhyana, nos faz reconhecer que há apenas uma lei, que é ‘a chave da harmonia na palavra e na ação’, sila. Então nossa conduta será baseada na grande lei da causalidade, karma, e sempre agiremos deste centro interno de calma com uma desanuviada percepção espiritual.
            Subordinado à nossa ganância e desejo, a nossos gostos e repúdios, está o terceiro grande impedimento, a ilusão que nasce da ignorância de quem somos realmente, o fracasso em discernir entre o real e o irreal, entre o verdadeiro e o falso. Assim como dana e prajna, bem como sila e dhyana formam pares complementares, assim também, ao nos livrarmos do terceiro impedimento, as duas virtudes kshanti e virya podem estar relacionadas. A essência da paciência, coragem e calma, que é kshanti, requer a energia destemida de virya para sua prática continuada. É kshanti que dá coragem ao coração vacilante do aspirante e aquele que a possui se deparará com todas as tentações, todos os fracassos e desapontamentos com a confiança que brota de uma vontade suave e persistente, com a coragem da alma que é a verdadeira virya. Já que virya tem finalidade, é determinação unidirecional, é a estabilidade de coração e mente que conduz o indivíduo ao triunfo derradeiro. Este sabe que certamente ‘cada fracasso é sucesso, e cada tentativa sincera trará mais tarde sua recompensa’, nas palavras da Voz do Silêncio. Assim aprendemos a ir além dos obstáculos causados pela ilusão para o reino da luz, ao centro, onde não existe a ignorância, onde a ansiedade pelo futuro e as lamentações do passado não mais nos atingirão.
            Todos nós temos um anseio quase insaciável por coisas para o eu pessoal, quer seja por coisas físicas, por capacidades psíquicas ou por qualidades espirituais. É o anseio que parece ‘roer’ os outros na busca constante por algo mais, mesmo quando não possamos definir esse ‘mais’ que desejamos ter. Esta busca inevitavelmente nos limita, nos prende ainda mais firmemente ao sentimento do ‘eu’. Desta maneira balançamos entre os opostos de prazer e dor, buscando um e evitando o outro, vivendo continuamente as tormentas do querer e do não querer. Mas esta quarta limitação pode diminuir quando começamos a praticar esta simples virtude que é a chave da porta central, ‘a porta do equilíbrio’, viraga. Nas palavras de Helena P. Blavatsky, é ‘a indiferença ao prazer e à dor’, talvez uma melhor definição fosse equanimidade, uma aceitação imparcial para tudo que a vida nos traga. É um equilíbrio interior, encontrado somente quando vivemos no centro, onde o Ser é Uno, e não no meio de tormentas de desejos e paixões pessoais. No centro há liberdade para quem puder aceitar igualmente alegria e tristeza.
            Viver no centro, viver no olho da tempestade onde há completa calma, e por estarmos no mundo tornar-nos um ponto que irradia luza: certamente isto é o ideal, embora sua realização completa esteja no futuro. Embora com passos vacilantes, agora podemos iniciar o caminho das paramita-s e desta maneira soltar os grilhões que nos mantém presos a nosso próprio disfarçado sentimento de um eu pessoal. A Voz do Silêncio com tanta beleza expressa o ideal e a possibilidade de caminhar para ele:
            “Segue a roda da vida; segue a roda do dever com a nação e família, a amigos e inimigos. Se não podes ser o sol, sejas então o modesto planeta. Sim, se não puderes brilhar como o sol do meio-dia sobre o cume da montanha de eterna pureza, escolhe então, Ó neófito, um caminho mais modesto.

            Indica o caminho - nem que esteja escondido, perdido na multidão – como faz a estrela polar para os que caminham na escuridão. Dá luz e conforto ao cansado peregrino, e descobre quem sabe ainda menos do que tu.’

            Isto é o que é necessário, porque começar seja tudo que nos é pedido. Ainda assim, não começar, porque as condições ciclônicas do mundo em desordem parecem demasiado pesadas para que nossos pequenos esforços façam diferença, pode nos levar não somente ao fracasso, mas a trair tudo o que recebemos. Pois ‘cada fracasso é sucesso e cada tentativa sincera recebe em tempo sua recompensa’.
            Quando observamos nossa atual posição e o desafio que se nos apresenta pelas tempestades que rugem sobre nós, podemos parar um momento e considerar o movimento que sempre é possível para qualquer um de nós: o movimento para dentro, para o centro, onde mora a paz. Ou, usando outra imagem, observar o momento fugaz do alvorecer antes que comecem as frenéticas atividades do dia, como o descreveu a escritora inglesa Jacquetta Hawkes, em seu livro A Terra:
            “Com absoluta tranqüilidade a terra gira em seu eixo a algumas milhas por hora, e ao redor do sol com onze mil milhas por minuto; a terra, a estrela polar e o sol ainda invisível estão girando suas calotas a meio milhão de milhas por hora. Nem uma folha se mexe. Somente o canto do pássaro quebra a quietude do alvorecer.’
            O movimento dentro do centro, ouvindo o canto do pássaro ao alvorecer, na quietude que se encontra somente no centro, no ‘olho’ do furacão: este é o caminho que devemos seguir na antiga jornada que leva ao verdadeiro coração do universo. E do centro, nos movermos novamente para fora, mas agora para viver de maneira diferente, porque trazemos a todas as ações externas o silêncio imóvel do Uno, do sempre presente Ser. Como se a quietude do alvorecer permeasse com seu frescor cada hora de nossos atarefados dias.”

Joy Mills foi uma educadora. Presidente da Sociedade Teosófica nos Estados Unidos entre os anos de 1965 e 1974 e depois, vice-presidente internacional da ST com sede em Adyar, na Índia entre os anos de 1974 e 1980. Premiada com a medalha Subba Row em 2011 por suas contribuições à literatura Teosófica.
Foto: “Olho de Deus” ou “Maternidade”. São os dois nomes atribuídos a esta imagem de Sean R Heavey,um caçador de tempestades que mora em Glasgow, Montana.